sábado, março 05, 2022

Reflexões em tempos de Guerra #10 - Os rapazes dentro dos tanques



Ontem partilhei no Facebook um vídeo supostamente de um tanque russo a ser destruído por um míssil anti-tanque disparado por forças ucranianas (o ponto de vista é da mira, ou visor, do lançador) e fiz-lo escrevendo a seguinte piada (agora ligeiramente melhorada):
- Pai, o que é que caçaste hoje para o jantar?
- Um tanque, meu filho.
- E isso come-se?
- Não sei, acho que sim, a torre já está bem passada.

Pelos comentários nas diferentes threads do Twitter onde o vídeo foi partilhado, e pelo facto do tanque parecer estar imóvel, eu simplesmente assumi que o mesmo estava abandonado. Fiz uma piada ao partilhar, porque nem me passou pela cabeça que o vídeo poderia mostrar directamente a morte da tripulação do tanque (pelo menos aqueles que estariam na torre).
Mas isso foi uma presunção, não uma certeza. Acabei por não apagar a publicação pois não consegui confirmar mais dados. Encontrei até comentários que diziam que nem sequer era um tanque mas sim uma espécie de bunker. De todas as formas, a partilha do vídeo gerou 2 comentários interessantes, que decidi passar para aqui.

A primeira reacção que tive foi do Mestre Cravo (Mestre é só título honorário que lhe foi outorgado há uns anos por um grupo de Toolos), que me apontou que estava a partilhar um vídeo que potencialmente acarretava a morte da tripulação, na verdade rapazes que se calhar nem lá queriam estar, e por isso estava a fazer piada com a morte de pessoas, de filhos, companheiros, pais de alguém. Ele depois acrescentou, e passo a citar:
Evidente que se fosse um tanque abandonado não veria nada de errado em fazer humor. Mas neste caso não sabemos se é. Pode ter homens dentro e nesse caso é uma tragédia para várias famílias. Tenho visto muitos comentários em relação a destruição de veículos russos tripulados como quem assiste a um golo numa partida de futebol. Obviamente que há russos de má índole como os há de qualquer nacionalidade, mas a maior parte daqueles homens estão a cumprir ordens, muitos deles só eles sabem a que custo. Mas não gosto de ver o pessoal a descer ao tribalismo.

Este comentário fez-me reflectir e acabei por responder bastante mais tarde, depois da devida ponderação. Reflecti sobre fazer humor à custa de tragédias, uma das coisas que vemos frequentemente nas redes sociais, com humoristas que são crucificados por alguns pessoas quando fazem o dito humor negro.
O humor negro (brincar com a morte ou outra tragédia) é sempre uma faca de 2 gumes. Quase sempre que me deparo com piadas de humoristas, e não só, como por exemplo o Guilherme do Por Falar Noutra Coisa fez recentemente uma piada com o miúdo marroquino que caiu no poço e morreu, o primeiro pensamento que tenho é "Xiii ca bruto" mas rio-me na mesma. E por ter esse sentimento misto de choque-riso não costumo dizer/comentar nada, nem crítico nem aplaudo.
Mas tenho de admitir que festejar a perda de vidas humanas é macabro sim, concordo com o Cravo nesse aspecto. Quando partilhei este vídeo não tinha mesmo essa ideia, e nem penso em partilhar vídeos ou fotos onde se vêm vítimas mortais, porque tal como ele aponto, é uma tragédia.

Julgo que até agora, apesar de estar a partilhar bastante o que penso sobre a guerra, e ter admitido que quero que o Putin perca (mas o perder, como expliquei, é ele não conseguir o que pretendia fazer quando ordenou esta invasão), não andei a "pedir" morte a quem quer que seja. Por isso as minhas publicações e textos serão sempre tendenciosas, mas tal como já escrevi, na semana passada ainda, eu não acho os Russos maus, nem sequer os soldados que só estão a cumprir ordens.
Obviamente que soldados que cometem crimes, como violações e assim, já são criminosos; sejam russos, sejam ucranianos, sejam os estrangeiros que estão a ir para lá.

Sobre a reacção que as pessoas têm, eu acho que por vezes nós aplicamos aquele ditado "quem não sabe é como quem não vê" mas ao contrário: ao não se ver os soldados a morrerem é como se não acontecesse. A malta vê apenas uma máquina de guerra e como não vê as pessoas dentro, é como se a máquina estivesse vazia.
Foi o que aconteceu comigo quando vi o vídeo do o tanque, simplesmente assumi que estava abandonado e por alguma razão estavam a destruí-lo com um ATGM (Anti-Tank Guided Missile) ao invés de outros métodos (como largar umas simples granadas no interior)... Caí no mesmo subterfúgio que nos protege da tragédia pessoal.
Mas mesmo achando que existe explicação para nós "desumanizarmos" estas imagens/vídeos, concordo que haja muito tribalismo ao comentar estes episódios de guerra.
Também não acho piada pessoas como nós, que estamos de fora, tecerem comentários a celebrar a morte do "inimigo", só aceito (mas também não costumo reagir) vindo de ucranianos porque nesse caso é "pessoal".

Mas a mensagem principal que o Cravo quis passar quando comentou é bastante válida. E permite que eu tenha atenção com as partilhas que faço.
Espero que não se veja aqui no blog, no meu mural do Facebook ou nos meus tweets, piadas ou glorificação de situações que envolveram morte de pessoas. Mas deixo o aviso que deverão encontrar comentários positivos a operações militares ucranianas, que obviamente resultarão em baixas (dos 2 lados)...
E termino admitindo que neste caso fiz uma piada num vídeo que pode ter resultado na morte da tripulação do tanque. Foi já um caso (que na altura nem me passou pela cabeça) e espero que seja o último.

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