Foram pelo menos duas as vezes em que eu usei fontes provenientes da Rússia como evidência do argumento que queria usar na altura; uma vez na reflexão #7 e outra foi num comentário no Facebook a uma entrevista do Major-General (na reforma) Raul Cunha que devendo ser um especialista na matéria voltou a fazer afirmações (não expressar uma opinião) completamente erradas sobre a situação militar e quis usar uma fonte russa que o desmentia para mostrar que até os russos diziam algo de diferente dele (neste último caso sobre o uso de armas termobáricas, em que a confirmação do seu uso já foi dada por fontes dos 3 lados, ucranianas, russas e os observadores).
Na maioria das vezes eu tenho apontado as falhas nas informações e alegações de origem em fontes russas (tal como por exemplo a patética tentativa de negar que bombardearam a maternidade em Mariupol). Eu não uso fontes russas quando isso convém à minha agenda. Eu na verdade não tenho uma agenda per se; não tenho problemas nenhuns em dizer que quero que o Putin perca e que considero a Rússia (devido à decisão do Putin) o lado agressor. Mas o que eu realmente pretendo com todos os meus textos e comentários é tentar partilhar a minha visão pessoal sobre a guerra, o que inclui a partilha de vários factos que neste momento estão naturalmente envoltos em incerteza devido ao fog of war (tenho que escrever sobre este e outros conceitos que existem durante um conflito e que são importantes para nós, cidadãos normais, conhecer).
E com isso quero falar sobre o recente bombardeio de um shopping centre em Kyiv. O Twitter reagiu como mais um ataque a uma área civil pelos russos, mas logo após surgiram evidências na comunidade OSINT de que veículos militares da Ucrânia (simples camiões mas talvez MLRS, lançadores de rockets) estavam estacionados naquele local (conforme a imagem da esquerda no topo). Assim sendo o shopping era na verdade um alvo militar genuíno. As pessoas/contas que começaram a chamar a atenção para esta situação foram acusadas de compartilhar fotos falsas pelas pessoas/contas anti-Rússia, não esquecer que antes estas mesmas pessoas/contas foram acusadas de partilhar informações falsas por pessoas/contas pró-Putin/Rússia (para muita gente, uma pessoa passa de bestial a besta de um instante para o outro e vice-versa).
Só que mais tarde o Ministério da Defesa russo compartilhou um vídeo com imagens capturas por drones onde se vê que os veículos eram de facto MLRS, pois o vídeo mostra os mesmos a dispararem em campo aberto, depois a deslocarem-se para Kyiv e finalmente a estacionarem no, e perto do, shopping. Horas depois, o míssil de cruzeiro atingiu o centro.
Esta é uma informação proveniente de uma fonte russa que corresponde a informações anteriores já investigadas pela comunidade OSINT, portanto eu não considero um caso de simples propaganda, ou tentativa de enganar, mas a confirmação de um facto.
Um bom ponto de discussão agora é questionar a frequência com que os ucranianos escondem equipamentos militares em edifícios civis e se esses edifícios estão vazios ou não aquando desse uso militar. Se o shopping não estava vazio nem os militares ucranianos tentaram alertar as pessoas para ficarem longe devido à sua presença e dos meios militares, isto é mau, pois implica que os militares estão a colocar a sua população em perigo e não podem simplesmente culpar a Rússia depois por atacarem a infraestrutura civil que foi transformada num alvo militar genuíno (quero realçar que não acho que esta prática de esconder/guardar armas em edifícios civis constitua em si mesmo um crime de guerra ao abrigo da Convenção de Genebra, mas não consegui confirmar isso sem quaisquer dúvidas).
No entanto, e para ser claro, este ataque específico, que é completamente justificado do lado da Rússia, também não significa que os outros ataques em infraestruturas civis foram correctos, pois não apresentaram evidências claras das infraestruturas estarem a ser usadas pelos militares (volto a usar a patética tentativa para o caso da maternidade em Mariupol que falhou miseravelmente).
Nota final para lembrar que numa guerra, todos os lados causarão sofrimento civil, todos os lados cometerão atrocidades. Alguns fazem isso sistematicamente, outros por engano, e quero que fique claro que normalmente apenas os derrotados são acusados e condenados no final por esse sofrimento e pelas atrocidades; é o que se chama de "justiça dos vencedores", um outro conceito que vale a pena conhecer.
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