Depois de tanto tempo, desde os primeiros dias da invasão e das primeiras reacções de oposição ao sentimento geral (daqueles que em inglês se designam por contrarians) e de ter prometido na Reflexão #12 falar (escrever) em mais detalhe, chegou finalmente a altura de dissertar, ou reflectir, sobre o Regimento Azov e outros extremistas envolvidos na região.
Na reflexão supra-citada, no penúltimo parágrafo eu escrevi o seguinte:
não há dúvidas da origem do Azov e da ideologia de vários dos seus membros. Não é sequer o único exemplo na Ucrânia, é somente o mais falado (existe também o Batalhão Donbas e o batalhão de voluntários do movimento Pravyi Sektor, Sector Direita).
E por isso não é estranho que o símbolo por eles escolhidos seja muito parecido, igual mesmo ou fortemente inspirado no wolfsangel, um símbolo heráldico alemão que a Alemanha Nazi apropriou (tal como a suástica que já existia muito antes do Partido Nazi), e foi mesmo o símbolo de várias unidades das Waffen-SS como está mencionado na imagem.
O Azov, que partilha o símbolo com o antigo Partido Social-Nacional (nota de hoje: tinha o nome do partido na ordem inversa, e uma mulher comparação do que a linha original nos parênteses é que faz lembrar um antigo partido alemão com o nome NAtionalsoZIalistische) afirma que não é derivado do wolfsangel, mas sim do slogan deles "Ідея Нації" (Ideal da Nação). É uma maneira de manter a legalidade do símbolo.
Mas no brasão do regimento, o IN estilizado está à frente de um Sol Negro (em alemão, Schwarze Sonne) outro símbolo Nazi. Só para o caso que ainda houvessem dúvidas...
Eu queria acrescentar mais informação contextual sobre a história do Regimento Azov (que muitos no ocidente continuam a descrever como um Batalhão), mas a página da Wikipedia (em inglês) já tem essa informação bastante completa e contém quase tudo o que eu queria dizer, então não vou repetir, ou copiar, texto e sugiro que leiam essa página. O meu conselho é para que leiam em inglês ou então usem um tradutor nessa página; não escolham a versão em português da Wikipédia pois não é tão detalhada quanto a versão em inglês.
Só quero aqui destacar que o Azov teve origem num grupo de ultras (claque de futebol), o que é comum aqui na Europa pelo menos, onde muitos ultras, que já são geralmente muito bem organizados e têm uma estrutura hierárquica, compartilham uma ideologia de extrema-direita.
O Regimento Azov é o foco principal da maioria, se não mesmo todas, das mensagens sobre a presença de neo-nazis nas forças armadas da Ucrânia. Algumas pessoas até usam apenas o Azov como a prova de que a Rússia tem razão neste argumento dos nazis no governo, esquecendo até outros grupos de neo-fascistas na Ucrânia. Mas que não hajam dúvidas, os verdadeiros "crentes" que fazem parte desta unidade não são boas pessoas. Eles cometeram crimes e atrocidades durante o conflito anterior no Donbas. Admito que fico realmente satisfeito ao saber que alguns dos seus membros mais infames morreram recentemente nos combates em Mariupol (o regimento está baseado lá, por isso agora está bastante em acção e recebe mais atenção internacional, devido aos combates intensos na cidade). Mas é preciso colocar este grupo/unidade, e o partido político que lhe está associado, em perspectiva.
Esta unidade paramilitar teve no seu pico pouco mais de 2500 elementos, mas este ano, e antes da invasão, o seu número rondava os 900. Como não fazem parte das Forças Armadas mas sim da Guarda Nacional, para saber o seu peso no total de forças governamentais temos de combinar os 2 efectivos, e sendo assim estes 900 elementos do Regimento representam menos de 0,3% das forças profissionais (com treino militar) da Ucrânia.
O braço político da unidade, criado por, e cheio de, veteranos do Batalhão Azov (quando ainda era batalhão), fez parte de uma coligação de 4 partidos/movimentos de extrema direita nas últimas eleições gerais de 2019. Estes 4 partidos juntos obtiveram 2,15% por cento dos votos e não conseguiram obter um único assento parlamentar.
Compare-se este resultado de uma coligação da extrema-direita com os resultados de outros partidos nacionalistas e de extrema direita na Europa Ocidental, vários que concorreram sozinhos como por exemplo em Portugal o caso do Chega; dá para concluir que eles têm bem menos apoio na Ucrânia do que aquilo que tem sido sugerido por vários comentadores ou analistas, que baseiam a sua opinião/análise no facto de existem unidades paramilitares a lutar no terreno agora, que tiveram a sua origem em grupos fascistas e nazis.
Para além do que escrevi agora, recomendo também que vejam este vídeo no YouTube, onde é que também apresentado as mesmas informações que dei e é feita uma comparação com os EUA (já que o autor do vídeo é norte-americano).
Quanto aos outros extremistas que referi no primeiro capítulo, eu quero acrescentar que também estão presentes no lado russo. Se não é, deveria ser, do conhecimento geral que o Putin foi, pelo menos até esta invasão, um favorito e um exemplo para muitos movimentos de extrema-direita por todo o Ocidente. Muitos líderes políticos e de organizações fascistas o elogiaram diversas vezes, pois viam-no como um bastião da resistência dos "cristãos brancos" (dos perigos dos pretos, islâmicos, ateus, feministas, LGBTQ+ e etc).
Ainda nos dias de hoje se vê nos media peças sobre pessoas da extrema-direita que estão a juntar-se à Legião Internacional da Ucrânia (acho que muitos deles são para brincar aos soldados, obter treino e acesso a armas de grau militar), mas alguns admitem que preferiam estar do lado do Putin!
Mas o Putin está activamente a trazer para o terreno alguns sírios, africanos, mercenários (do Grupo Wagner pelo menos), tudo grupos que também já estiveram envolvidos em atrocidades e violações dos direitos humanos. Para além desses, temos os Kadyrovtsy que já estão a lutar activamente na Ucrânia. Ao estilo do Azov, esta é uma unidade paramilitar cheia de gente ruim, tchetchenos malucos que cometeram vários crimes em nome do seu líder, e apesar deles não serem fascistas, eles são também extremistas (nas posições que defendem) e para mim é também boa notícia saber que alguns deles, pelo menos alguns líderes proeminentes, estão a ser eliminados no terreno.
O capítulo anterior parece soar um pouco a whatboutism, pois ao falar sobre um grupo (neo-nazistas ucranianos) eu menciono grupos do outro lado. Só quero que fique claro, que o facto de existirem "vilões" no lado russo não serve de justificativa, não serve para isentar nem tampouco serve de desculpa para a existência do Regimento Azov e companhia nas forças governamentais ucranianas. Espero sinceramente que quando tudo estiver mais ou menos concluído (a invasão), a Ucrânia consiga remover estas figuras das suas fileiras oficiais.
Não tenho ilusões em pensar que eles alguma vez vão ver-se livre dos fascistas e dos neo-nazis lá no país; eles continuarão a existir, já que eles existem por todo o mundo e o pelo menos a Europa Ocidental está a debater-se com esse problema cada vez, com essas facções a ganhar cada vez mais destaque e apoio popular nos últimos anos.
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