domingo, março 27, 2022

A constante da incerteza


A minha terapeuta I. já me tinha dito em tempos que se eu num debate/discussão não consigo convencer o outro lado é porque na realidade não estou convencido da minha opinião/posição e mais tarde esta questão voltou à tona ao falar com a minha actual terapeuta B., no contexto de eu acatar sugestões de outros mesmo quando estou convencido que não estão correctas. Tendo em conta que eu sou uma pessoa de opiniões fortes, como acho que é notório pelo que escrevo aqui, e muitas pessoas já me disseram que tenho grande capacidade de argumentação, porque motivo eu dou o braço a torcer ou aceito o que outros me dizem?
Eu pus-me a pensar, até mesmo derivado de situações mais recentes que envolvem as "grandes polémicas do momento" e cheguei a uma conclusão. Depois de expor essa conclusão com a B. ela também concordou. O que para mim nem era preciso, pois tal como é habitual em mim, eu já estava convencido que era mesmo isso. E a razão de eu "perder" argumentos mesmo quando tenho razão é devido à constante da incerteza. Passo a explicar.

O que é isso que eu chamo de constante da incerteza? Tem a ver com a ciência ou método científico, do qual eu me tornei um "fiel" (uso este termo de propósito, porque eu sei que tem muita gente que acredita que o homem substituiu Deus por um crença cega na Ciência e isso é errado), e o principio que nunca existe 100% de certeza. Para quase tudo o que temos são teorias, ou explicações, que fazem mais ou menos sentido, e normalmente aceita-se o que explica melhor ou em maior parte, o que tem maior percentagem de confirmação, ou de certeza. O que quer dizer que, em quase tudo, existe sempre uma possibilidade que é diferente do chamado consenso científico.
Por exemplo eu tenho 99% de certeza que apanhamos COVID-19 em Março de 2020 e que o facto do teste da Carolina ter sido supostamente negativo, foi porque foi mal feito (porque nem quando telefonei a perguntar pareciam saber do que eu estava a falar e simplesmente responderam "ah, foi negativo", como se estivessem a despachar). Mas para mim há 1% de hipótese que tenha sido outra infecção pulmonar, diferente de tudo o que apanhamos até agora, mas não COVID-19. Portanto se eu estiver a falar com alguém que seja intransigente e que me esteja constantemente a dizer que era impossível ser COVID-19, eu acabe por admitir que sim, pode ser que esteja enganado. Por causa desse 1%.

Basicamente, eu estou quase sempre pronto a aceitar que estou errado. E nunca tenho a certeza total de que esteja certo sobre muitas coisas, apesar de ter uma opinião muito forte sobre isso. 
Posso dar outro exemplo, eu estar convencido que tenho PHDA, tal como foi diagnosticado ao meu filho Sebastião. Tudo prende-se com os comportamentos e pelo facto que a PHDA é sobretudo hereditária. Quanto mais, e melhor, estudei sobre o assunto mais convencido fiquei que tenho. Mas a avaliação psicológica que fiz diz que não. E porquê? Porque eu fiz um teste específico sobre concentração/atenção (e quero realçar que o maior "problema" da PHDA é o Défice de Atenção, não a Hiperactividade) e o mesmo demonstrou o que se chama de hiperfoco e nenhum desvio de atenção. Só que eu discordo da opinião da M., que foi quem me fez o teste, que hiperfoco não existe em quem tem PHDA e a maneira como o teste foi feito, e o tipo de pessoa que sou, só podia dar neste resultado; porque para mim é tipo um jogo e eu fico super concentrado e motivado para responder a tudo. No meu caso o Défice de Atenção é notório em actividades regulares, como no trabalho onde eu salto de tarefa em tarefa, ignorando e esquecendo durante horas o que estava a fazer antes, pois a minha atenção é facilmente desviada por uma mensagem, um email, um som ou mesmo uma visão.
E para muitos especialistas, como os da SPDA (Sociedade Portuguesa de Défice de Atenção), o hiperfoco em gente com PHDA é até bastante frequente, quando se trata de algo que realmente nos desperta o interessa, e o desvio de atenção como eu tenho é um sintoma clássico desta neurodivergência.
Mas este exemplo todo serve também para mostrar que eu tenho uma opinião forte, tão forte que me faz contestar o diagnóstico feito por um profissional de saúde e discordar dele, mas que aceito que possa estar enganado e não ter realmente PHDA. Eu apenas estou convencido a 87% que tenho, mas actualmente acho que há 13% de chances de ser outra coisa. E até me provarem que possa ser outra coisa, a tendência será dos 87% aumentar para mais de 90%.

É por isso que muitas vezes em discussões na praça pública, com pessoas que estão convencidas que estão certos, eu dou o braço a torcer, ou simplesmente deixo de contra-argumentar.
Por exemplo sobre o SARS-CoV-2 e as suas origens, eu acredito (90%) que o vírus é natural e não foi criado artificialmente. Também acredito que a libertação do vírus não foi intencional (82%). No entanto inicialmente não achava que o laboratório de Wuhan estava envolvido na origem da epidemia mas agora, com mais informações que vieram a descoberto, já acho que existem 65% de hipóteses que foi uma fuga no laboratório (onde o vírus presente em animais estaria a ser estudado) que contribuiu para a contaminação das primeiras pessoas, e acho menos provável que surgiu simplesmente nos tais mercados de carnes "raras" como foi considerado inicialmente.
Ainda sobre a pandemia, eu tenho 98% de certeza que não foi nenhuma conspiração do Gates para fazer o Grande Reset (ainda hei-de escrever sobre isto, porque o Grande Reset está por detrás de cada "crise" que acontece no globo, desde a crise financeira de 2007-08, mas vai sempre sendo adiado), mas sim aceito que existe uma chance remota que tenha havido um plano qualquer, pois isso explicaria algumas coincidências (e sim para mim coincidências existem, são uma ocorrência natural).
E agora sobre a Invasão do Putin, também aceito que possa ter sido tudo um plano dos amaricanos! Menos de 1% mas sim, até pode ser, um plano que já dura desde o fim da Guerra Fria, pois apesar de termos tido diferentes presidentes em Washington DC, a política externa poderia ter esse objectivo em comum, até porque muitos dos que decidem a politica externa são os mesmos durante todos estes executivos. Apenas uma presidência teve uma postura diferente em relação à Russia, o Trump, e isso notou-se. Vejam que eu até consigo encontrar explicações lógicas para uma teoria que eu acho errada e até mesmo parva!

Mas cá está, eu tenho a constante da incerteza, eu acho sempre que posso estar enganado e estou disposto a aceitar que seja esse o caso.
E em muitas discussões ou debates, eu penso tal e qual terá dito o Sócrates (segundo o Platão): embora eu não suponha que algum de nós saiba algo realmente belo e bom, eu estou em melhor posição do que ele - pois ele não sabe nada e pensa que sabe. Eu não sei nem acho que sei.

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