sexta-feira, abril 22, 2022

Reflexões em tempos de Guerra #28 - Sobre os refugiados


Quando eu partilhei na Reflexão #26 que queria ajudar mais no lado humanitário, mais visível pelos refugiados que chegam aqui, fugindo da guerra, a Marisa mandou-me uma mensagem alertando que é preciso ter algum cuidado e senso comum. Ela conhece pessoalmente um caso em que deu confusão e acha desproporcional a ajuda que se está a dar agora comparando com outros refugiados de outros anos que enfrentam ainda diversos problemas e ninguém parece lhes ligar nenhuma. Sobre a situação que ela conhece não me posso pronunciar por não ter qualquer conhecimento de causa (só sei que aconteceu) mas não é de estranhar que tenha acontecido e continue a acontecer casos aqui e ali em que os refugiados vão abusar da boa vontade de quem os está a ajudar; estamos a falar de pessoas e por isso não são todos anjos. E também é mais que óbvio que existe uma boa vontade muito maior da parte dos restantes europeus em ajudar os ucranianos, quando comparado com outros, mas não só existe o factor da proximidade (física, étnica, cultural e religiosa pelo menos) como esta situação é diferente de outras crises que a Europa enfrentou antes.

E a imagem de topo, retirada de um artigo do New York Times de 15 de Março, já pretende demonstrar uma das grandes distinções nesta crise. Ainda nem 2 meses passaram e de repente o número de refugiados causados pela Invasão do Putin é muito superior aos outros refugiados que estavam abrigados na Europa e neste caso nos países vizinhos. O mesmo artigo mostra os números totais de refugiados de várias crises no período de 1 ano com os, na altura, 18 dias para se notar que o fluxo de refugiados não tem precedentes. Olhando para os valores mais recentes reportados pelas Agência da ONU para os Refugiados (UNHCR), fugiram da Ucrânia mais de 5 milhões de pessoas desde 24 de Fevereiro, dos quais cerca de 4,5 milhões para a Europa (para Oeste). Para comparar, em 2015 a Europa teve aquilo que foi considerado uma crise de refugiados, com 1,3 milhões de pessoas que pediram asilo no continente.
4,5 milhões em 8 semanas versus 1,3 milhões em 1 ano; mais que notório que é uma situação muito diferente.

Acrescentado a esse factor temos que ver que muito mais que em 2015 ou outras crises anteriores (mas também actuais), este movimento é composto sobretudo por mulheres, crianças e idosos. Os homens entre os 18 e os 60 anos estão proibidos, salvo algumas excepções, de saírem do país devido à mobilização geral, e haverá sempre alguns que conseguem fugir mas as imagens que temos visto, até dos voluntários que têm ido buscar à Polónia, são na grande maioria apenas de mulheres e crianças.
E outra prova desta diferença é que desde a mesma data, mais de 1 milhão de ucranianos regressaram ao seu país, inicialmente eram sobretudo homens que foram para defender a pátria, mas nos últimos dias já se nota um regresso de mulheres que fugiram nas primeiras semanas, para participar na reconstrução das regiões livres de russos e de conflito, sobretudo na região de Kyiv.
É uma prova que esta crise de refugiados é muito mais temporária que outras anteriores, e falando novamente na de 2015, onde a maioria veio para ficar; mas agora há claramente muitos que apenas vieram para fugir da guerra e irão regressar assim que possível.

E do meu ponto de vista, eu não penso que se deve fazer algo apenas agora, só porque são os ucranianos, que são brancos e cristãos, porque esta guerra (pelas diferentes razões que já escrevi) me desperta muito mais interesse. Já em 2015 eu fiquei bastante indignado com a dita crise dos refugiados e achava que todos nós, como povo e como seres humanos, deveríamos ter feitos mais. Podem ver isso em 2 textos que escrevi pelo Verão de 2015 (Só existe um problema porque somos uns palhaçosEstava enganado, admito).
Mas eu não tenho ilusões que influencia bastante o facto destes refugiados serem pessoas que parecem como nós (restante europeus). Eventualmente até a mim, que sempre tive um fraquinho pela Ucrânia, ao qual não é alheio o facto de ter trabalhado com ucranianas bastante agradáveis à vista, e por ser português, existir essa identificação de ser um povo dito "irmão" do vizinho que é muito maior e tem historial de invadir/ocupar (os portugueses esse sentimento em relação a Espanha, eles em relação à Rússia). Mas a prova que a cor da pele e o credo muda muita coisa são os vários relatos dos primeiros dias da vaga de refugiados em que na fronteira com a Polónia os cidadãos de outros países com um tom de pele mais escuro tinham de esperar na fila enquanto que os com tom de pele mais claro passavam à frente. Tenho de fazer a ressalva que existem aqui eventuais diferenças do ponto de vista de fronteiras (por exemplo, e isto é apenas uma suposição pois admito que não me apetece ir agora pesquisar isto, um ucraniano ter um visto automático ao entrar na Polónia, mas um refugiado com passaporte do Yemen não, e por isso ter de passar por um processo mais demorado) mas mesmo assim, tenho a certeza que os polacos nutrem uma muito maior simpatia e sentem muito mais compaixão pelos seus vizinhos ucranianos, pois conseguem identificar-se com eles.
Da mesma maneira que sei que os portugueses seriam bastante solidários em receber refugiados da Galiza fosse porque motivo fosse, e bem mais reticentes em fazer o mesmo a refugiados vindos do Norte de África.

Mas para concluir: esta crise humanitária, mesmo comparável a outras que tivemos antes, não tem precedentes. O número é muito maior num período muito mais curto de tempo, e muita gente apenas fugiu temporariamente, como já se note pelo fluxo dos últimos dias, cada vez menos a vir e cada vez mais a regressar. A grande maioria, mas grande mesmo, são mulheres e crianças. Mas como em tudo na vida, virão alguns que fogem por outras razões, virão alguns que aproveitem para emigrar com o processo simplificado e recebendo ajudas que doutra forma não teriam, virão alguns com más intenções. Mas tudo isso não pode servir de desculpa para não sermos seres humanos decentes e tentarmos ajudar. Como quase em tudo o resto, pode ser que no futuro sejamos nós a ter de fugir e a pedir ajuda a eles. Tenho a certeza que alguns dos que agora recusam ajudar e estão contra, seriam dos primeiros a exigir mundos e fundos no cenário oposto...

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