terça-feira, abril 26, 2022

E tu mãe, onde estavas no 25 de Abril?


Ontem acho que foi a primeira vez na minha vida que fiz esta pergunta, que se tornou numa tirada cómica, genuinamente. Fiz a pergunta à minha mãe, tal como está escrito, pois terá sido (também esta) a primeira vez (se não foi a primeira, houve poucas antes) que estava com os meus pais num 25 de Abril. Não perguntei ao meu pai porque eu sabia onde ele estava, estava em França, mas de repente lembrei-me que a minha mão deveria estar em casa, na Senhorinha (aldeia da freguesia de Sever do Vouga, mesmo concelho, distrito de Aveiro). E ela respondeu-me "Estava em casa, a dormir. Foi o Tio Mota que nos veio acordar a todos a dizer que tinha havido um golpe em Lisboa!". Quando lhe perguntei como tinham reagido e como tinha sido o resto do dia ela respondeu (mais palavra, menos palavra): "Ele acordou-nos e pus o rádio muito alto a dar as notícias. Depois fomos trabalhar na mesma, que o que estava a acontecer era longe em Lisboa, não mudava nada para a gente. Alguns estavam com medo que viesse uma guerra civil".

E é simplesmente isto: para muitos portugueses que moravam na província, o 25 de Abril foi uma coisa que aconteceu longe, na capital, que pouco ou nada interessava na hora e muitos se calhar nem pensavam que fosse mudar alguma coisa. Um dos grandes feitos da revolução foi acabar com estas 2 (ou mais) realidades, estas versões tão distintas do país, onde uns viviam uma vida já moderna, uma vida dos anos 60 e 70 quase como o resto do mundo, mas outros viviam praticamente como há 100 anos atrás. As 4 fotos acima são da mesma altura (anos 50 e anos 60), as 2 da esquerda em Porto e Lisboa e as 2 da direita no Alentejo e nas Beiras. São do mesmo país e da mesma década mas quase que parecem fotos de séculos distintos...

No meio da conversa o meu pai disse que se lembrava de ter ouvido (ou visto na televisão) que durante 2 dias ninguém trabalhou. Mas isso porque o meu pai estava em França e viu as notícias dadas pelos jornalistas que estavam nas cidades, quase todos em Lisboa obviamente, sobretudo os estrangeiros que foram cobrir a revolução. A minha mãe disse logo que na aldeia, e na vila, a vida continuou normalmente: como ainda acontece com muitas coisas, as novidades e as mudanças demoram sempre a chegar ao interior (na altura ainda era a verdadeira província) mesmo que agora as comunicações e a Internet ajudem a diminuir a distancia. Mas antes os 45 km que separavam o concelho de Aveiro, capital de distrito demoravam 1 dia de viagem! Menos de 30 anos depois eu fazia essa viagem 2x todos os dias e demorava (bem) menos de 1 hora, mas curiosamente 10 anos antes, e 20 anos após o 25 de Abril, aos sábados viajava de autocarro de Aveiro para a aldeia e demorava 3 horas!

Voltando aos meus pais, a pergunta tinha de ser feita à minha mãe, agora que os meus avós (maternos, os que me criaram) partiram, a minha mãe é a pessoa com mais conhecimento de causa do antes e depois do 25 de Abril. O meu pai não, ele não sabe ao certo o que se passava nem o que aconteceu pois estava há cerca de 10 anos a 1500 km de distancia, naquilo que já era para ele também uma outra realidade bem diferente. Os meus pais já se conheciam quando o 25 de Abril aconteceu e casaram-se 5 meses depois. Era namoro à distancia, não sei se por cartas, se por telefone ou por aerogramas.

Mas este ano, para além desta perspectiva mais pessoal ou familiar, é uma data muito importante. Pela primeira vez comemoramos o 25 de Abril tendo o país vivido mais tempo em liberdade do que sob o regime do Estado Novo. Foi a 23 de Março que Portugal completou 17500 dias em liberdade, tendo até ao 25 de Abril de 1975 vivido 17499 dias sob uma ditadura. Vejam bem quantos anos tiveram de passar para que isto fosse uma realidade! De certa forma, isto explica parte, ou muitas, das dificuldades que ainda atravessamos hoje. A nossa liberdade democrática só este ano superou a repressão autoritária de uma ditadura.
O ano também é importante, vivemos um período fulcral na nossa vivência política, com muitos desafios para a liberdade democrática que o MFA conquistou para todos nós. Acho que tal como o período quente que se viveu após a Revolução dos Cravos, vamos superar estas incertezas e vamos sair todos mais fortes e mais livres, e permitir que as distancias que ainda existem entre as cidades (elites) e a província (plebe) diminuam ainda mais. 

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