sexta-feira, abril 15, 2022

Reflexões em tempos de Guerra #27 - O desenlace positivo a médio-longo prazo


Como já escrevi várias vezes, duas vezes aqui no blog (Reflexão #21 e Reflexão #24) mas julgo que fui dando indícios do mesmo no Facebook e/ou Twitter, desde relativamente cedo que pensei que o desenlace final da Invasão do Putin à Ucrânia seria bastante positivo a médio-longo prazo, ou seja não vai ser logo depois do conflito terminar, com melhorias a nível do futuro para todas as partes envolvidas, incluindo a Rússia.
Mas de vez em quando, e sobretudo derivado a certos desenvolvimentos que vão acontecendo, fico preocupado que a minha previsão positiva não aconteça e que o mundo recue umas décadas para uma nova guerra fria, ou ainda pior. Se bem que quando penso neste pior, regresso a um comentário do meu irmão de há umas semanas, que me dizia que achava que a variante omicron do SARS-CoV-2 era uma espécie de protecção natural que nos foi dada para ganharmos mais imunidade para uma nova super-pandemia que vai aparecer daqui a uns anos: ele pensar numa nova epidemia do género da COVID-19 quer dizer que a maioria de nós ainda aqui está e não fomos todos de vela num holocausto nuclear...

Mas vamos lá então desenvolver mais sobre o tal desenlace positivo que eu vejo um pouco por todo o Mundo. O maior foco é dado à União Europeia, onde eu vivo mas onde eu vejo o maior impacto de todos, não fosse a guerra estar a acontecer na Europa e que envolve a maioria dos países europeus, directa e indirectamente.


Por isso começando
com o caso da União Europeia vamos assistir ao acelerar da conversão para as energias renováveis e porquê? Porque este conflito permitiu ao bloco (tanto as instituições como os diferentes membros) chegar mais rápido à conclusão que tem de ser auto-suficiente, autónomo, em termos de recursos energéticos. A UE não pode continuar a depender de países/blocos externos, nem sequer dos que são teoricamente aliados. Estou certo que muita gente achará que o cenário mais provável é a simples substituição da Rússia no fornecimento de gás e petróleo, e apesar de achar que isso vai acontecer em parte (mais detalhes sobre isso a seguir) na verdade não é assim tão simples sobretudo por causa da infraestrutura de distribuição. Para passar a receber o grosso do gás do ocidente da América (via marítima) ou de África (Nigéria também via marítima ou Argélia por gasoduto) tem de haver um enorme investimento em capacidade portuária e novos gasodutos que venham de Portugal e Espanha, para França e depois para o resto da Europa. Tudo isso vai demorar bastante tempo e custar muito dinheiro e por isso é simplesmente mais rápido e mais barato aumentar a capacidade das renováveis com mais parques eólicos, mais parques solares e outras soluções limpas que já foram sendo adoptadas ou estão em teste. Porque o processo de conversão para renováveis já estava em curso, agora só vai acelerar. 
As renováveis e outras energias limpas são sobretudo para a produção de electricidade e os combustíveis fósseis servem para mais coisas actualmente, certo? Mas não tem problema algum:
Para o sector do transporte, os veículos eléctricos já estão a substituir os de combustão interna e temos ainda um novo foco dos fabricantes no hidrogénio que mesmo que não seja um combustível directo para a propulsão, será certamente uma solução para um veiculo com célula de combustível (em termos gerais, com um gerador eléctrico ao invés de um pack de baterias de grande capacidade).
Já existem projectos viáveis de aviões e barcos eléctricos, mas obviamente demorará muito mais tempo, por isso esse sector continuará a usar combustíveis fósseis mas o consumo dos mesmos noutros sectores será menor por isso menos problemático.

Para o aquecimento das casas, um dos usos mais palpáveis do gás natural, as bombas de calor substituem as caldeiras, como já está a acontecer aliás nos novos empreendimentos na habitação, em muitos países. E às bombas de calor, pode-se juntar painéis solares para aquecimento de agua. No caso de algumas cidades, teremos as redes municipais de aquecimento que usam outras fontes, como o calor produzido pela indústria, para manter uma rede de agua quente (eu em Amesterdão não usava directamente gás para aquecer a agua, já usava essa rede).
Na verdade a energia eléctrica serve para tudo, e com a vantagem de ser muito mais eficiente (há menos perdas energéticas, como em calor por exemplo) já no imediato, e ainda encontraremos melhorias na eficiência, de certeza. Uma dessas melhorias é que produção de energia eléctrica via renováveis pode ser feita, como já é em vários casos, muito mais próximo do consumidor final, acabando-se com grandes centrais de produção e de transformação e as longas redes de distribuição, onde actualmente se perde ainda mais energia. Como exemplo disso temos as pessoas a produzirem directamente nas suas casas através dos painéis solares, e para aqueles que tenham terreno suficiente, com outras soluções adicionais como mini-eólicas ou soluções geotérmicas. Também as cidades e municípios podem ter as suas próprias centrais mais pequenas de produção de energia, até mesmo com mini-hídricas quando a geografia o permite, e a sua própria rede que até permite uma maior autonomia em casos de falhas na estrutura noutros pontos do país (lembrar que agora pode bastar um poste de alta tensão cair, ou uma cegonha fazer um ninho no sítio errado, para que vários milhões de pessoas fiquem sem energia durante umas horas ou mesmo dias).

E tudo isto sem abordar outras soluções como o nuclear (sei que há quem não tenha dúvidas, tanto que devemos usar como devemos abandonar de vez, mas eu ainda não cheguei a uma conclusão porque há argumentos válidos para os 2 cenários, preciso de gastar umas horas a estudar melhor) mas também o futuro da energia, como por exemplo o reactor ITER e o seu sucessor. Este futuro pode agora ser também acelerado com os actuais longos prazos dos projectos diminuídos com o reforço do interesse e investimento, um pouco como a pandemia da COVID-19 acelerou imenso a investigação de vacinas que já estavam em curso (como as baseadas em mRNA).


Do ponto de vista geopolítico, teremos um fortalecer da UE, sobretudo na sua coesão, que ganhará um papel mais importante e mais força na política externa. É verdade que ainda existe divisão tanto no seio interno como entre diferentes países, e sobre isso temos o actual exemplo das visões opostas nas dos 2 candidatos nas presidenciais francesas, mas como eu acho muito remota a hipótese da Le Pen ser eleita, só vejo essa melhoria com mais uns anos de Macron. A UE fica a ganhar com a autonomia energética, como mencionado nos parágrafos anteriores, mas também mais autonomia e projecção de um ponto de vista diplomático e mesmo militar.

Parece estranho dizer isto, quando a Invasão do Putin serviu parece fortalecer a NATO (até o próprio Macron tinha dito há uns tempos que parecia estar em estado vegetativo) e com isso a aliança, e em teoria uma certa dependência, com os EUA, mas eu acho que sinceramente que a UE ficar mais forte e mais autónoma é o que vai mesmo acontecer, apesar da relação com os parceiros outro lado do Atlântico também ficar mais forte. É um dos casos daquela máxima do "stronger together" ou aquela visão todos os intervenientes de uma qualquer relação (seja económica, seja pessoal, seja profissional, seja desportiva, whatever) só tem a ganhar com o enriquecimento de todos, por oposição à ideia que um lado só se torna mais forte se o outro ficar mais fraco.

A UE ganhar mais peso ao nível geopolítico e um maior poder militar (isto é ligado com o aumento do orçamento para a defesa da Alemanha, que terá reflexo noutros países, a começar pela França que quer manter a sua posição de maior potência militar na UE) é bom até para o resto do Mundo porque será mais uma super-potência global (a todos os níveis) que servirá de balança entre EUA e China, as 2 super-potências opostas do futuro próximo (1 que já é super, e a outra que está quase a lá chegar, já sendo super do ponto de vista económico).


Para a Ucrânia
há um desenlace misto no início mas aos poucos será também muito positivo. Primeiro terá de reconstruir muita coisa e superar o drama humanitário, que sendo mais pessoal (cada um sofre de maneira própria as suas próprias tragédias) vai levar a um esforço e uma reabilitação a nível nacional. Mas a Ucrânia já ganhou algumas coisas: ganhou uma unidade e uma nova identidade que ainda estava um pouco à descoberta; apesar de a cultura e história da Ucrânia e do seu povo ser muito antiga, e nós apenas acharmos que são praticamente russos devido à propaganda soviética e depois à russa, não estava a ser fácil superar o estigma dos tempos da URSS. Agora já parece claro que a união do povo sai muito reforçada. E já conquistou também o respeito de todo o mundo. A Ucrânia é o pais que resistiu (e derrotou, mas ainda vamos ver o quão grande será a derrota) a segunda maior potência militar do mundo (ou assim se pensava). A Ucrânia vai sair deste conflito com o Exército mais forte, experiente e preparado da UE, pois a adesão é um dado adquirido para mim. Não terá as Forças Armadas mais poderosas devido às limitações no Ar e no Mar, mas em Terra não haverão dúvidas. E desse modo o contributo que eles darão ao reforço da projecção militar da UE será substancial.

Do ponto de vista sócio-económico, o país vais passar por uma reconstrução e o nível de vida vai melhorar em relativo curto prazo, uma vez terminada essa fase. Não gosto das comparações simplistas com a Segunda Guerra Mundial, mas usando como analogia, será similar ao que aconteceu em muitos dos países da Europa que estavam destruídos, mas que rapidamente saltaram para o topo das condições, com as economias a ganharem bastante com o esforço da reconstrução e os próprios avanços tecnológicos que as guerras sempre trazem. Neste caso, a indústria da defesa ucraniana já será bastante atractiva, pois os seus produtos, apesar de serem em número limitado, foram eficazes contra os produtos daquela que era considerada a segunda melhor indústria de armamento (da Rússia).

E depois tenho a certeza que virá aquilo que introduzi na secção anterior: a Ucrânia irá substituir a Rússia no fornecimento de combustíveis fosseis (gás e petróleo). Porque a Ucrânia tem boas reservas que estão por explorar. Com a adesão à UE, essas reservas passam a ser do bloco e não vão faltar os investimentos para iniciar a sua exploração, vindos até de empresas que saíram da Rússia. Estou convencido que isso não vai atrasar a conversão em energias limpas, apenas vai permitir à UE ser autónoma para esta energia, que como referi, será ainda usada pela aviação e pelas marinhas (e também será muito importante para a Defesa). Aqui só é preciso investir na exploração uma vez que a infraestrutura de distribuição já existe: a maioria de gasodutos e oleodutos que vêm da Rússia passam pela Ucrânia, é só necessário criar novos pontos de entrada!

E como existem alguns países que estão muito mais dependentes do gás russo e demorarão mais tempo na conversão energética, a Ucrânia vai desempenhar um papel fundamental nesse paliativo.


Quanto à Rússia
, o Putin queria deixar o legado de uma Grande Rússia, uma espécie de novo Império ou uma nova versão da URSS, um verdadeiro gigante e uma verdadeira super-potência que  disputaria taco a taco com os EUA. Mas na verdade vai deixar o país, que até agora era equiparável à China, numa simples potência regional e com reputação seriamente comprometida. E (grande) parte do potencial será derivado somente do arsenal nuclear!

Mas para os Russos também há pontos positivos e boas chances de saírem a ganhar desta "confusão"toda, nomeadamente o fim do regime e uma transição, que será demorada e tortuosa, para uma democracia mais normal e representativa. Porque diga-se o que disserem, o Putin estar no poder há mais de 22 anos não é o normal num estado democrático. Claro que pelos exemplos,  até dos outros países da ex-URSS, é uma situação normalizada, mas estes casos só existem em ditaduras (quando não o são de jure, são-no de facto), e não é isso que sucede nos países que transitaram do Pacto de Varsóvia para a UE (se bem que a Hungria com o Viktor Orbán parece estar a ir pelo mesmo caminho mas ainda há algumas diferenças) e até outros países da ex-URSS que estão, alguns muito lentamente porque o processo é complicado, a melhorar as suas condições sócio-económicas (podem dar uma olhada ao relatório Nações em Trânsito 2021 da Freedom House para uma vista mais detalhada sobre os problemas nas democracias da Europa e Eurásia).

Nesta mesma situação temos o exemplo da própria Ucrânia, onde podemos verificar as melhorias do ponto de vista sócio-económico que ainda não chegaram a uma grande parte do povo russo; apesar o PIB per capita ser inferior ao da Rússia (pré-invasão e pré-sanções que vão afectar imenso a economia russa), os ucranianos aparentam viver melhor fora das grandes cidades, o que se nota pelo comportamento dos soldados russos, que são sobretudo oriundos das regiões mais pobres da Rússia, que roubam quase tudo o que encontram para enviar para as famílias, e isto acontece por terem pouco e porque encontram na Ucrânia, mesmo nas vilas e cidades pequenas e até aldeias, o que eles não conseguem adquirir em casa (telemóveis, computadores, roupa de marca e até scooters eléctricas!). A Ucrânia também tem passada por décadas de transição, ainda à procura da sua própria identidade democrática e de alcançar uma maior maturidade das instituições políticas. Muitos dos seus presidentes, incluindo o Zelenskyy até à invasão, foram sendo bastante contestados pelas suas medidas e posições polémicas, mas temos que reconhecer que a Ucrânia pelo menos teve já várias eleições com resultados diferentes. Na Rússia é sempre o mesmo desde 2000, tendo apenas alternado num mandato com o seu compincha Medvedev porque tinha de ser assim ao abrigo da lei (que entretanto foi alterada).

Mas voltando ao desenlace positivo, se a Rússia decide romper de vez com a herança soviética (e também o passado da Rússia Imperial) e abdicar da ilusão de voltar a ser uma super-potência mundial que rivaliza com os EUA, isso permitirá que o país e o seu povo se preocupem e foquem no que é realmente importante: melhorar a economia, melhorar o estilo de vida, progredir como tantos outros progredirem.

O maior obstáculo a este desenlace é que eu pensava que este pensamento saudosista vinha sobretudo dos actuais lideres políticos, uma classe sobretudo com pessoas que ainda se recordam do velhos tempos de glória e ambicionam o regresso desse status quo. Mas por ignorância própria, não tomei em conta a própria ideologia e crença do povo russo que ao fim de tantas décadas, séculos mesmo, pode genuinamente pensar que tem de dominar e controlar os povos "menores" vizinhos. A ideia que a Ucrânia não é uma verdadeira nação e que os ucranianos não passam de pequenos russos, não parece ser exclusiva da elite russa mas estar sim mais embrenhada no povo russo. No entanto isto não afecta só os vizinhos, mas partes do território russo, que é uma nação multi-étnica mas onde existem grandes divisões entre os diferentes povos/etnias (regiões). Por essa razão há quem ache que o desenlace final é a divisão da Rússia em vários estados (um pouco à semelhança da Jugoslávia) apesar de eu achar isso menos provável (mas não digo que impossível pois para mim não existem certezas).

Se não aparecer uma verdadeira mudança ideológica em Moscovo, com forte apoio popular, o meu prognóstico positivo cairá por terra, e então o desenlace mais certo da Rússia é tornar-se um novo Irão, ou quiçá mesmo uma nova Coreia do Norte; isolados e desligados do mundo, a regredir cada vez mais neste mundo que continuará a avançar.


Não escrevi muito sobre as outras regiões do globo, mas existem ganhos indirectos para todos, e destaco sobretudo os seguintes: as melhorias que prevejo na Europa irão beneficiar todo o mundo nomeadamente a nível de energia que será um excelente contributo tecnológico no combate às  alterações climáticas.

O mundo tem também a ganhar com uma Europa a ser o árbitro entre os 2 grandes rivais à escala mundial (EUA e China), não porque a Europa é melhor que eles (quer dizer para mim é, mas isso é subjectivo e parcial) nem porque tem os interesses globais de toda gente em conta, mas simplesmente porque ter um árbitro a mediar é melhor que ter 2 jogadores a usar todo o tipo de truques sujos para obter vantagem.

Na Ásia, quem beneficiará bastante será Taiwan, pois a China já sabe que tentar uma aventura similar poderá sair muito caro. É preciso ver que a China ainda se baseia muito em tecnologia e doutrina russa no aspecto militar e por isso intentar num desafio ainda maior (Taiwan é uma ilha e não está do ponto de vista de tecnologia militar, atrás da China como a Ucrânia supostamente estava da Rússia) acalenta um risco enorme.

E claro que os EUA também saem a ganhar, com uma NATO mais forte e claramente sem oposição na sua zona de influência, e os EUA a poderem focar-se quase a 100% num só adversário a nível global: a China.


Mas termino só com um apontamento, porque eu sou bastante positivo na maioria das coisas, mas realista ao mesmo tempo. Sim, acho que no final "vai ficar tudo bem" (para usar aquele slogan aparvalhado de há 2 anos) mas recebi ontem no correio os comprimidos de iodeto de potássio e já andei a calcular cenários do que pode acontecer (350-kt é o mais provável e as cidades são os alvos históricos, mas se o alvo for o aeroporto e/ou o vento estiver de Leste ou Nordeste, fodeu-se) se der merda a sério. Podem ver isso nas imagens dos cantos da montagem do topo.
Há que estar preparado para depois não ser apanhado de cu para o ar e com as calças nos tornozelos...

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