segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Reflexões em tempos de Guerra #4 - As primeiras negociações



Tanto a Ucrânia quanto a Rússia concordaram em conversar, ou negociar, sem pré-condições, junto à fronteira entre a Bielorrússia e a Ucrânia. É um desenvolvimento muito positivo, mas se o encontro acontecer em breve, acredito que não vão dar em nada. E porquê? Isso deve-se às razões pelas quais Putin decidiu invadir. Permitam-me que explique melhor.

Existem duas opiniões, ou dois pontos de vista, principais na praça pública sobre quem são os verdadeiros instigadores do conflito, mas acho que é praticamente o consenso geral de que a adesão da Ucrânia à NATO é a principal razão para o mesmo, pois a Rússia, em particular o Putin, nunca aceitaria isso. Não é uma simples questão de não querer a NATO na sua fronteira, uma vez que a NATO já está no Báltico, tem mais a ver com a localização geográfica da Ucrânia. É precisamente a oposição da Rússia que tem atrasado, ou arrastado, o processo de adesão da Ucrânia que, ao contrário do que muitos tem dito, não foi convidada a aderir em 2008; a Ucrânia já expressou o seu desejo de se juntar desde 1994, mas em 2008, na cimeira da NATO, muitos esperavam que a Ucrânia fosse aceita no Plano de Acção para Adesão da NATO (em inglês Membership Action Plan, MAP), mas isso não aconteceu precisamente por causa das objecções do Putin. No entanto, a intenção em aderir ainda se mantém do lado ucraniano, então a melhor solução é a Rússia substituir o governo actual e instale um novo que redireccione novamente o foco da politica externa de volta para Moscovo (como foi o caso durante a presidência de Yanukovyc entre 2010-14).

Este é o principal motivo para o avanço rápido sobre Kyiv. Capturar, ou até mesmo eliminar, o actual governo do Zelesnkyy e meter lá um outro, nem que seja uma junta militar.
Mas eu acredito que existe uma outra grande razão para a invasão, e os mapas da imagem de topo (o da esquerda é uma estimativa dos planos de invasão e o da direita são as posições ao final do dia de ontem, 27-Fev) corroboram a ofensiva que se tem visto no Sul do país, com os russos a tentarem uma conexão com as tropas do Donbas na costa do Mar de Azov (que não está exactamente indicada no primeiro mapa, mas que já é visível no segundo), mas também os movimentos para Oeste na direcção de Odessa, para chegar à Transnítria (região separatista russa na Moldávia). Estas movimentações tem o objectivo de tornar a Ucrânia um país sem litoral, sem acesso ao mar. E a razão para isto é: Energia.
Este excelente vídeo expõe e explica bem estes 2 motivos para a invasão e eu recomendo vivamente que o vejam: Why Russia is Invading Ukraine
No vídeo outros motivos, pelo menos os recursos hídricos e o impacto da falta de água na Crimeia, são também mencionados mas eu admito que me foquei nos 2 com mais destaque que também para mim tomam mais importância.
O meu amigo Paul (um belga) mencionou também a agricultura, pois a Ucrânia era no tempo da URSS o campo que alimentava a nação, e lembro-me de ter visto, mas talvez não neste vídeo, menções ao impacto na produção de trigo, pois a Rússia e a Ucrânia têm um peso elevado na produção mundial. O ponto de vista interessante do Paul, e que deve ser mencionado apesar de eu não estar muito certo o quão isso terá influenciado a decisão do Putin, é que caso a água e a agricultura sejam realmente argumentos, esta será a primeira guerra relacionada com o clima. Escrevo isto aqui porque é uma ideia pertinente e pode-se tornar numa nova realidade, a guerra por recursos naturais motivada pelo clima (apesar de saber que já se escreveu antes sobre futuras guerras por causa da água, recursos hídricos).

Mas para mim os 2 principais motivos que mencionei em cima são mais uma confirmação de que, como é habitual, não há apenas uma razão/explicação simples para eventos deste género, embora tendamos a simplificar na discussão pública e depois passamos muito tempo distraídos no "jogo" do atribuir culpas.
E também para mim, reforçam a minha opinião anterior de que mesmo que a NATO (que pessoalmente penso que já deveria ter acabado há algum tempo e substituída na Europa por uma espécie de Forças Armadas da UE) estivesse fora de cena, o Putin agiria na mesma de forma parecida ao facto da Ucrânia estar a virar-se para o Ocidente e a desculpa então seria que a Rússia não poderia ter a UE ainda mais na sua fronteira e com acesso directo a grandes reservas de energia. Claro que isto é apenas especulação da minha parte, mas eu também posso ter a minha versão dos acontecimentos, considerando o número de pessoas que estão convencidas das suas versões das "verdadeiras razões"...

Mas para completar o círculo e se voltarmos novamente ao tema das negociações: se a Ucrânia aceitar ser um país neutro, como a Finlândia que também é vizinha da Rússia, o Putin poderá considerar que o um dos objectivos principais foi alcançado, mas eu acho que o Putin não quer chegar a um acordo sem garantir o outro objectivo principal, portanto enquanto as forças no Sul não consigam controlar toda a costa, a Rússia vai arrastar, ou mesmo paralisar, as negociações.
Claro que há várias coisas que podem forçar a sua mão, como por exemplo não conseguirem grandes progressos no terreno no Sul da Ucrânia, e a pressão, tanto externa como interna, intensificar-se bastante para que parem com a guerra.
Uma Ucrânia neutra pode ser o suficiente para salvar as aparências...

Termino só com um apontamento para contextualizar o meu grande interesse e devotação a esta invasão, sendo este o 4° texto consecutivo sobre a mesma, para além da actividade no Facebook e Twitter. Como a maioria das pessoas da minha rede social são portugueses, muitos poderão se questionar porque é um conflito "distante" é assim tão importante para mim. É porque para mim, não é distante.
Kyiv fica 65km mais perto (viajando de carro) de onde eu moro agora, do que da terra onde cresci em Portugal, Sever do Vouga. E considerando que existem combates a oeste de Kyiv (ainda menor distancia para aqui), eu posso afirmar que estou mais perto da guerra do que dos meus pais e do meu irmão (e outros familiares e amigos próximos)!

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