Já ouviram falar do Efeito Mandela? É um termo relativamente recente, criado pelos vistos em 2009, mas que ganhou mais peso no mundo da Psicologia depois de um estudo italiano de 2010 que demonstrou um caso de falsas memórias colectivas, ou seja um grupo de pessoas partilharem a mesma falsa memória, confirmando o que a norte-americana (acho eu) Fiona Broome tinha observado quando cunhou o termo. O nome Mandela deve-se ao primeiro caso registado de falsa memória colectiva, quando ela descobriu que outras pessoas também se lembravam de ter sido noticiado que o Nelson Mandela tinha morrido na prisão nos anos 80 para mais tarde verem as notícias da sua libertação.
Portanto o que distingue o Efeito Mandela dos simples casos de falsa memória, é existir uma memória partilhada por pessoas sem relação, muitas vezes por todo o mundo. Dois dos casos mais flagrantes disto é muitas pessoas acreditarem que o senhor do Monopólio tem um monóculo (não tem nada) e que o Darth Vader diz ao Luke "Luke, I am your father" (ele diz "No, I am your father"). Eu conheço um outro caso, menos flagrante mas que já mais que 4 pessoas me disseram o mesmo: que se lembram do Freddie Mercury cantar a música "Barcelona" com a Montserrat Caballé na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1992 (quando ele morreu em 1991 e se quiserem saber de onde virá a confusão, leiam tudo até ao fim).
Quando aprendi História na escola e se falou do Tratado de Tordesilhas de 1494, lembro-me perfeitamente de sempre ser falado que Portugal negociou uma linha (meridiano) mais para Oeste do inicialmente reivindicado pelos Espanhóis, e atribuído pelo Papa Alexandre VI um ano antes, para garantir que a maioria do território do Brasil ficava na zona exclusiva de Portugal. Lembro-me que todos achavam que fazia sentido, excepto que o Brasil só seria oficialmente descoberto 6 anos mais tarde em 1500. E eu sei que esta memória, ou equivoco, não é só meu, pois li a mesma coisa descrita num livro vários anos mais tarde (livro esse que teorizava que o Portugal de D. João II já tinha explorado a maioria da costa ocidental das Américas e por essa razão é que sabiam muito bem por onde tinham de dividir o mundo).
Outra espécie de equívoco, este menos grave, mas também é um caso de aceitarmos o que nos dizem/ensino sem realmente pensar nas coisas, é as histórias épicas de Homero que pelo menos no meu tempo eram sempre mencionadas no ensino geral de História. Ora a primeira chama-se Ilíada e a maioria de nós pensamos que conta toda a história de Guerra de Tróia desde o início até ao fim. Mas na verdade não, a Ilíada começa já nas últimas semanas do último ano da guerra (foram 10) e os eventos precedentes são mencionados mas não como parte da narrativa corrente. Tal como a morte de Aquiles e a queda de Tróia nunca chegam a ser descritos em "tempo real" na obra mas profetizados como acontecimentos futuros. A outra coisa é que não me lembro de se explicar o título, que quer dizer Canção de Ilium, Ilium sendo outro nome dado a Tróia.
Uma das figuras principais da Ilíada é Ulisses, que teve direito à sua própria história épica, a Odisseia. Lembro-me de se dizer que a obra chama-se Odisseia porque retrata a odisseia de Ulisses a tentar regressar a casa. Mas na verdade chama-se Odisseia porque Ulisses é o nome Latim; os gregos chamavam-no Odisseus e por isso o título refere-se à sua personagem principal. Mais tarde é que passamos a usar a palavra odisseia para descrever uma grande jornada ou experiência aventurosa.
Avançando vários séculos para a frente, temos a ideia generalizada que a França perdeu a Batalha de França contra a Alemanha Nazi em 1940 porque não estendeu a Linha Maginot mais para norte para cobrir a fronteira com a Bélgica e por isso os alemães invadiram por lá, onde não havia fortificações. Mas na verdade o plano sempre foi esse: a Linha Maginot era uma barreira quase intransponível entre a fronteira directa dos 2 países, obrigando os alemães a invadir primeiro a Bélgica para onde se dirigiriam as melhores unidades francesas. E foi isso que aconteceu, tal como esperado. A grande surpresa dos franceses, e do Corpo Expedicionário Britânico (BEF), foi que os alemães enviaram o grosso das suas divisões mecanizadas (as famosas Panzer) pelas Ardenas num plano audacioso que não era o inicial dos alemães. Os Aliados pensavam não ser possível atravessar esta zona florestal com tanques e outros veículos e isso praticamente selou o destino da ofensiva. A zona das Ardenas, que também apanha um pouco de França perto de Sedan, era defendida por divisões de reserva, de fraca qualidade, que foram praticamente passadas a ferro pelas divisões Panzer de elite dos alemães, que depois de chegarem ao Canal da Mancha, cercaram as melhores divisões francesas e o BEF. Mais tarde, e quase milagrosamente, conseguiram evitar serem destruídos e escaparam em Dunquerque.
Outro equívoco associado a esta guerra, sobretudo aos primeiros anos como a Batalha de França, é que os alemães também ganharam porque tinham mais e melhores tanques, mas isso não é verdade. Os franceses tinham mais tanques, e tinham tanques pesados que os alemães só passaram a ter quando construíram o Tiger. Os tanques franceses também tinham melhor design e eram mais bem armados e melhor blindados. Normalmente numa luta apenas de tanques contra tanques em números equivalentes os tanques franceses prevaleciam mas o maior problema foram as tácticas, muito melhores do lado alemão que recorriam a uma combinação de diversos tipos de unidade e eram mais flexíveis pois todos os tanques tinham rádio e os comandantes de esquadrões podiam reagir mais rapidamente às situações no terreno. E o facto dos alemães concentraram os seus blindados nas divisões Panzer, no que resultou que estavam quase sempre em vantagem numérica quando encontravam blindados franceses (que estavam distribuídos pelas divisões de infantaria, num papel de suporte).
E dessas tácticas vem o nome Blitzkrieg, Guerra Relâmpago, ensinado nas escolas como a principal estratégia usada pelos alemães que apanhou os Aliados e depois os Russos, de surpresa. Só que este termo surgiu depois das primeiras batalhas, Hitler detestava o nome e em lado nenhum nos manuais militares dos alemães esse termo é usado. O verdadeiro nome da estratégia usada é Bewegungskrieg, ou Guerra de Manobra, o oposto à estratégia de Guerra de Atrito (o método principal da Primeira Guerra) e que estava ainda gravada na mente dos lideres militares aliados, sobretudo os franceses (que pensavam parar o avanço alemão na Bélgica e imobilizar o resto dos combates, a ver quem aguentava melhor o atrito; supostamente os aliados com o seu maior poder naval e as suas extensas colónias).
Para terminar, tenho de explicar de onde poderá vir a falsa memória colectiva do Freddie Mercury ter cantado na cerimónia de abertura em Barcelona 92. A música foi composta em 1987 para celebrar a escolha de Barcelona como anfitriã dos Jogos (escolhida em 1986). O Freddie e a Monteserrat interpretaram a música ao vivo em Barcelona em 1988 para comemorar a chegada da bandeira olímpica. Na cerimonia de abertura dos Jogos em 92, a música foi passada (mas o Freddie já estava morto) e tornou-se a música oficial dos jogos. Certamente com o passar dos anos, as pessoas confundiram as datas e associaram o actuação de 1988 com a cerimónia de abertura, resultando num caso de Efeito Mandela.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Opina à tua vontade