domingo, janeiro 30, 2022

Ainda pior que o esperado?


É curioso que no mesmo dia em que pus no correio o meu voto para as Legislativas recebi a carta com os códigos do Cartao de Cidadão, o que significa que o mesmo estava disponível para levantamento no consulado em Haia. Para votar pelo correio, o método por defeito para quem está recenseado no estrangeiro, é preciso enviar cópia do CdeC ou BI (como é que em 2022 ainda se menciona BI eu não sei!) válido, e o meu CdeC caducou no ano passado. Perguntei no consulado, quando fazia a renovação, se podia enviar cópia do passaporte junto com o voto e disseram-me que sim, por isso não pedi (custa mais) o CdeC com urgência e agora espero que não invalidem o voto por falta de cópia de documento devido.
Mas não regressei ao blog ao fim de vários meses para vos falar do meu CdeC caducado, nem apenas do meu voto pelo correio. Isto foi só a conversa de introdução, o dizer uma coisa mais banal para agarrar a audiência. Depois podem comentar se funcionou ou se teve o efeito oposto de fazer-vos deixar de ler mais...

Actualmente em Portugal os assentos da AR são distribuídos por círculos distritais mais 2 no estrangeiro (Europa e Resto do Mundo, que elegem 2 deputados cada). Para cada círculo é usado o Método de Hondt para se distribuir os lugares elegíveis. Eu na verdade não percebia ao certo como funcionava este método até ler mais sobre o assunto esta semana. Depois de ter usado os resultados de 2019 para o distrito de Aveiro numa folha Excel, fiquei esclarecido. A seguir avancei para o que queria mesmo fazer: pegar nos resultados globais nacionais e aplicar o Método de Hondt aos mesmos, para saber como teria sido a distribuição de deputados caso houvesse um único círculo nacional.
E assim comprovei que a distribuição de deputados seria mais justa e que mais partidos teriam assento parlamentar, tal como sempre presumi por uma simples olhada nas percentagens totais. Se em 2019 tivéssemos um único círculo eleitoral, ou sejam contavam-se os votos todos e atribuíam-se os 230 mandatos com o Método de Hondt, teríamos tido a seguinte distribuição: o PS com 91 (teve 108), o PSD com 70 (teve 79), o Bloco com 24 (teve 19), o PCP/PEV com 16 (teve 12), o CDS com 10 (teve 5), o PAN com 8 (teve 4), o Chega com 3 (teve 1), a IL com 3 (teve 1), o Livre com 2 (teve 1) e a Aliança, o PCTP e o R.I.R. com 1 cada (não tiveram nenhum).
Os maiores, sobretudo o mais votado, com menos e os outros todos com mais. Parecia-me melhor dividido.
E vendo que pelas 22:00 de Domingo (30-Jan) o PS parece lançado para uma maioria absoluta (com menos de 50% dos votos globais), um círculo único nacional teria dado um outro resultado este ano, e para mim mais representativo da realidade a nível nacional.

Mas há quem pense que um círculo nacional único seria ainda pior que agora. E porquê? Porque com apenas um círculo não se discrimina positivamente as regiões mais pequenas, pois as grandes cidades (quase todas no litoral) contam muito e acabam por ter ainda mais peso no resultado final. Como me disse um amigo beirão: "um voto de um gajo da Guarda tem de valer mais do que um voto de um gajo de Lisboa".
Eu não sei se concordo com isto, mas dar mais representação relativa às regiões mais pequenas para tirar um certo poder às maiores (e poderosas) é o que acontece também nos EUA (com o colégio eleitoral para o presidente).
Mas na verdade não seria pior do que agora, pois o distrito de Lisboa elege um deputado por cada ~40000 eleitores mas a Guarda elege um deputado por cada ~50000 eleitores! Actualmente o voto de um eleitor da Guarda vale menos do que um eleitor de Lisboa!

Então neste caso, qual seria a opção? Do que me é dado a entender, as soluções pensadas são de uma mistura de círculos uninominais com círculos plurinominais (como os de agora) havendo portanto deputados eleitos duma forma e outros doutra (o que obrigaria também aos eleitores a votarem em mais que um boletim). Essa era uma proposta discutida na revisão constitucional de 1997 e que voltou a ser trabalhada novamente em 1998 mas nunca chegou a avançar. No ano passado foi proposto isto novamente mas fora da AR, como noticiado aqui, e no programa para estas legislativas, a Iniciativa Liberal tinha uma proposta dentro do mesmo género.
Eu não consigo perceber muito bem como resultaria, e traria uma nova confusão aos eleitores, o terem de votar em diferentes boletins, se bem que isso é um problema menor.
A minha maior dúvida prende-se com os círculos uninominais. Este tipo de círculos é o que se usa no Reino Unido e, julgo eu, é também o mesmo método para eleger os representantes ao Congresso nos EUA. É um voto directo onde escolhemos a pessoa que vai ocupar o assento e liga um deputado directamente ao seu círculo. Eu em tempos pensei que fazia mais sentido até ver os problemas apontados ao sistema britânico, nomeadamente o risco que se corre de existirem partidos com grande percentagem de votos no total nacional mas sem eleger um deputado, pois nunca ganharam um círculo. Apesar de improvável, este sistema pode levar num ano um partido ficar sempre em segundo em todos os círculos e desse modo não eleger um único deputado apesar de ser o segundo mais votado a nível nacional! Por essa razão é que todas as propostas para mudar a Lei Eleitoral que têm surgido assentam numa combinação de círculos.

No entanto um círculo nacional único já é previsto na nossa constituição e um sistema desses certamente resulta numa maior pluralidade na Assembleia sendo mais difícil um partido ter maioria absoluta. Na verdade parece-me mais simples e mais justo, logo mais fácil de avançar. Por mim até se deveria considerar os votos em branco no cálculo com o método de Hondt (e isso resultar em lugares vazios no Parlamento) o que reduziria um bocado a abstenção e daria uma forma de verdadeiro protesto para quem acha não existir escolha, mas nunca na vida uma proposta dessas passaria...

Para terminar, uma explicação do título desta dissertação política: para mim parece-me que o resultado deste ano será ainda pior que há 3 anos atrás! Os maiores partidos estarão ainda maiores, parece que haverão ainda menos partidos com assento parlamentar e o Chega torna-se a terceira força partidária. Apesar de isso (Chega) ser esperado, tendo em conta o que tem acontecido um pouco por toda a Europa, é triste assistir a este desfecho porque é um partido só do contra. Mas em alturas de crises, e a pandemia é uma crise a vários níveis, este tipo de partidos que gritam mais alto e encontram desculpas e causas fáceis para os problemas, ganham sempre apoio. E por um lado é preciso que eles cresçam para que se note o quão vazios e ocos eles na verdade são.
Outro aspecto interessante nos próximos tempos é ver o que acontece ao CDS (que o mais certo é praticamente desaparecer, tornando-se numa espécie de PCTP/MRPP da direita), ao Bloco que vai perder muitos assentos e isso vai causar divisões internas, e aos outros mais pequenos (PAN e Livre) que se perderem a representação parlamentar, vão sofrer o mesmo destino de tantos outros e extinguirem-se por completo.

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