quarta-feira, janeiro 19, 2022

Quando um famoso podcaster é refutado


Então é assim, um famoso podcaster no seu podcast é confrontado e refutado pelo seu convidado (também ele uma personalidade dos media) em relação aos riscos de miocardite, que são realmente maiores em caso de infecção por COVID-19 do que em caso de vacinação. O anfitrião primeiro não acredita, depois procura e encontra os artigos, tenta esclarecer que ele apenas fala dos riscos em crianças (pelo menos menores de 15 anos, pois essa é a idade que o anfitrião e o convidado mencionam), mas depois não encontra as suas referências. Então ele tenta imputar a culpa nos dados, porque houve um estudo qualquer (que ele não mostra) que indica que nos EUA os efeitos das vacinas são bastante sub-reportados. Mas como o seu convidado é estrangeiro e não americano, o convidado responde que ele também não confia cegamente nos dados americanos, mas esta é uma pandemia global e há "pessoas muito inteligentes" na Alemanha, Coreia, muitos outros lugares, que dizem o mesmo, portanto ele confia no consenso geral.

Mais tarde, o podcaster usa o Twitter para "mostrar" que ele estava certo, compartilhando um post de um blog de um hematologista-oncologista de São Francisco, mostrando apenas um gráfico retirado da versão PDF deste estudo do Reino Unido. O gráfico está na página 11 do PDF e é a imagem que está no topo desta dissertação.
Mas o gráfico no post do blog acima mencionado do médico mostra que houve mais casos relatados de miocardite para idades <40 após a vacinação com Moderna do que após infecção por COVID-19. Mas apenas para a vacina da Moderna e apenas para esse subgrupo. Na verdade, o estudo NÃO inclui crianças, pois é apenas para 16 anos ou mais! A vacina da Moderna NÃO ESTÁ aprovada para crianças pequenas (apenas 18 anos ou mais nos EUA, não autorizada para menores de 12 anos na UE).

Mas o que vocês acham que está a acontecer no Twitter? A malta a olhar apenas para um gráfico (uma parte isolada dos dados e não contextualizada) e a concordar com a afirmação do podcaster!
Este é um caso específico em que fazendo minha própria pesquisa (usando as mesmas referências do reivindicador) posso chegar à minha própria conclusão e confirmar que os outros estudos que levam ao "consenso geral" não são refutados por nenhuma das referências usadas pelo podcaster.

O que ainda precisa de esclarecimento adicional, pelo menos para mim, é o risco que afecta adolescentes e jovens adultos do sexo masculino. Esses são os mais acometidos pela miocardite pós-vacinação dos casos relatados. Este estudo do Reino Unido não inclui as idades de 12 a 16 anos e preciso dedicar mais tempo para pesquisar dados sobre esse grupo específico e verificar se há mais coisas que chamam a atenção.
No entanto, só quero acrescentar que o risco e os benefícios das vacinas não estão apenas nos casos de miocardite (que a grande maioria das pessoas que as teve recuperaram com sucesso, seja pós-vacinação ou pós-infecção) então as pessoas não devem apenas considerar este ponto específico de discussão como o argumento definitivo. Eu apenas uso isso porque foi um ponto de discussão específico que está a ser mal-utilizado ou mal-interpretado para impulsionar uma narrativa.
Para este cenário específico, se o argumento do podcaster fosse de que é pior para adolescentes e jovens adultos do sexo masculino que tomam a vacina da Moderna, eu concordaria com base nos dados que ele compartilhou mais tarde.


ADENDA: Umas horas depois de ter escrito o que escrevi em cima, fui ler novamente um estudo que encontrei anteriormente, realizado na Dinamarca, que inclui toda a sua população para a idade em questão (4.931.775 indivíduos com 12 anos ou mais, seguidos de 1 de Outubro de 2020 a 5 de Outubro de 2021).
As descobertas da Moderna coincidem com as do estudo do Reino Unido (traduzido do original em Inglês):
A vacinação com mRNA-1273 (Moderna) foi associada a um aumento significativo da taxa de miocardite ou miopericardite, especialmente entre indivíduos com idade entre 12 e 39 anos
Mas curiosamente para a Pfizer eles tiveram um resultado diferente (já que as mulheres são as mais afectadas):
A vacinação com BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) foi associada a um aumento da taxa de miocardite ou miopericardite entre indivíduos do sexo feminino
Este estudo não compara directamente os mesmos riscos da vacinação com infecção por COVID-19 como o do Reino Unido (a base para comparar a ocorrência das inflamações cardíacas é o total de pessoas não vacinadas, a fim de tentar obter o que é considerado ocorrências normais), mas tem uma secção dedicada aos mesmos. Podemos assim comparar a "taxa de risco ajustada" para as 3 situações, para ter a mesma base (dados retirados de diferentes secções do artigo), e vermos que:
  • Vacina Pfizer: 1,34
  • Vacina Moderna: 3,92
  • Infecção COVID-19: 2,09

Mas há outro risco importante que o estudo verificou, “risco de paragem cardíaca ou morte” dentro de 28 dias, e nisso há um claro benefício na vacinação:
descobrimos que tanto o BNT162b2 quanto o mRNA-1273 estavam associados a uma taxa de risco marcadamente reduzida de paragem cardíaca ou morte (0,51 (0,49 a 0,53) e 0,41 (0,37 a 0,46), respectivamente) em comparação com o acompanhamento não vacinado.
Enquanto para a infecção por COVID-19:
No entanto, a infecção por SARS-CoV-2 foi associada a um risco 14 vezes maior de paragem cardíaca ou morte nos 28 dias após um teste positivo de SARS-CoV-2 em comparação com acompanhamento não infectado.

Acho todas estas leituras fascinantes, e o estudo Dinamarquês julgo ser o primeiro que usou toda a população como coorte, mas tenho que procurar mais estudos semelhantes em outros países para ver se continuam a mostrar a mesma tendência.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Opina à tua vontade