terça-feira, março 04, 2014

Os argumentos da Rússia

Obviamente a Rússia tem os seus argumentos para ter ocupado militarmente a Crimeia. Algumas pessoas no Ocidente até parecem concordar com eles, tendo eu visto artigos em jornal que "justificam" com atitudes similar dos EUA. E se é verdade que os EUA intervieram militarmente noutros países sob o pretexto de mentiras, ainda existem algumas diferenças. Por exemplo os americanos inventam as desculpas antes de intervirem, os Russos são um pouco mais "originais" pois arranjam as desculpas depois!

A Crimeia era Russa antes de ser dada à Ucrânia, o que aliás foi um erro.
É verdade que os Russos controlaram a Crimeia em tempos do Império, foi da Federação Russa antes desta ter sido União Soviética e foi o Khrushchev que decidiu transferir a Crimeia para a Ucrânia. Este ponto é valido e ter-se-ia aceite que a Crimeia voltasse para a Federação Russa quando da independência da Ucrânia, mas não percebo muito bem porque é que nestes anos todos, isto não foi um "problema" para aquela malta pois nunca ouvi falar de um verdadeiro movimento popular para a sucessão da Ucrânia.

O povo da Crimeia é russo e os ucranianos são uma minoria.
Sim, nos dias de hoje a maioria da população da Crimeia é de origem russa. Mas os russos não se podem proclamar os "verdadeiros" detentores daquele território. Aquilo já foi controlado por todas as potências da história que possamos imaginar. Um povo ocupou a Crimeia por vários séculos, os Tártaros (muçulmanos) e os russos só se tornaram a maioria quando depois da 2a Guerra Mundial o Estaline deportou os tártaros para Sibéria e reocupou a Crimeia com russos.

A Crimeia tem direito à sua autonomia e independência.
Tem sim senhor, tal como a Escócia e como a Catalunha (sem falar noutros). A Crimeia sempre foi aliás uma república autónoma no seio da Ucrânia, portanto a autonomia nem está em causa. Aceito que com a mudança de regime na Ucrânia e uma tentativa de adesão à UE, a malta da Crimeia queira agora a separação, isso é legítimo. Mas não deixa de ser curioso que eles só tenham avançado com isso mesmo depois de um grupo armado (russos, sem qualquer dúvida) ter tomado o Parlamento local e nomeado um novo Primeiro-Ministro, quando o anterior tinha posto de parte a secessão para já.
E também é tudo uma falsa questão pois não tenho dúvidas que se a Crimeia se separa efectivamente da Ucrânia, é imediatamente anexada à Federação Russa.

O novo governo de Kiev é ilegítimo.
O Medvedev chamou-os até de amotinados. A Rússia considera que o presidente deposto, Viktor Yanukovych, é o legítimo chefe de estado. Até se podia aceitar não fosse o facto de que ele fugiu do país e foi o próprio parlamento ucraniano, que não mudou, que decidiu depo-lo e nomear um governo interino enquanto se espera as novas eleições. Isto que sucedeu em Kiev, concorde-se ou não, foi para mim um processo normal democrático.
Acho também muito curioso que a Rússia já considere legitimo o novo Governo da Crimeia que foi nomeado por um Parlamento ocupado por um grupo armado de estrangeiros (que julgo ainda lá continua de armas em riste). A mudança de governo na Crimeia é que corresponde a uma situação de motim, pouco ou nada democrática.

Os líderes legítimos da Crimeia e Ucrânia pediram aos russos para intervir.
Tal como disse antes, considerar o novo governo da Crimeia e o Yanukovich legítimos é esticar a corda um bocado. Para além do mais os russos intervieram antes de qualquer pedido de ajuda. Aliás foi a primeira intervenção que colocou um novo Governo na Crimeia e a suposta carta do Yanukovich tem data 4 dias depois dos Russos terem confirmado as tropas! E curiosamente depois da conferência de imprensa do Yanukovich ainda no início da crise na Crimeia onde ele claramente disse não querer intervenção russa, o homem "desapareceu"...

A Rússia interveio no seu direito internacional de proteger os seus cidadãos que estão em risco.
Este é para mim o argumento mais correcto para legitimar qualquer intervenção militar estrangeira num país. Os franceses têm-no feito diversas vezes em África nos últimos tempos para proteger e evacuar cidadãos europeus. No entanto existe uma grande diferença: estas intervenções costumam aparecer depois dos conflitos se iniciarem e resultam na evacuação de cidadãos.
Na Ucrânia os únicos conflitos que existiram foi entre manifestantes anti-Yanukovich e pró-Yanukovich. Morreram pessoas em Kiev mas julgo que nem uma era russa. O risco de segurança para as populações só apareceu (novamente) depois da intervenção russa. Nunca até agora tinha lido alguma notícia sobre as pessoas de etnia russas serem perseguidas na Ucrânia. Mesmo quando o novo governo tomou funções e esses medos apareceram, se ouviu alguma notícia sobre perseguições. Não tem havido também nenhuma evacuação de cidadãos russos, aliás houve mais russos a entrarem na Ucrânia para organizar e participar em manifestações pró-Russas!
É mais um caso em que os russos criam o problema e dizem que o vão resolver. A mim não me convence.

Entretanto esta manhã apareceu a primeira verdadeira confrontação entre tropas russas e ucranianas. Na base aérea de Belbek (na Crimeia) os russos capturaram ontem os aviões e hoje as forças ucranianas marcharam para a pista para os reaverem. Há relatórios de tiros disparados para o ar e existe um frente-a-frente para já pacífico. Pelos vistos existem grupos de milícias civis a deslocarem-se para a base para tentar expulsar as tropas ucranianas de lá. Os russos têm-se mantido calmos e profissionais, mas estes grupos vão fazer merda e se os confrontos físicos começarem, alguém pega numa arma e dá um tiro e a partir daí temos os inícios da 2a Guerra da Crimeia :-(

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