sexta-feira, março 28, 2014

Embaraçados com as pensões

Então os membros do Governo estão chateados porque saíram notícias a falar sobre cortes permanentes nas pensões para substituir a CES, que pelo próprio nome, era uma medida Extraordinária.
Coitadinhos, têm mesmo razão para ficarem embaraçados. É mais uma prova que não existe seriedade, honestidade nem coragem para fazer o que é necessário. Ao invés de se reformar o sistema de pensões, continua-se a ir pelo caminho de se cortar apenas. A CES vai-se transformar na CPS. E do mesmo modo volta-se a assumir que quem ganha mais de €1000 euros é rico, pois será a partir daí que haverá cortes. Isto até se aperceberem que a nível de salários cortaram acima de €650 e mais uma vez corta-se mais em quem trabalha do quem já trabalhou... Ou não...

Eu já defendo há muitos anos uma grande alteração no sistema de cálculo das reformas. Mas há quem sempre diga que mexer nas reformas é atacar uma classe desfavorecida e desprotegida. Que precisam para ajudar os filhos e netos (que pagam elevados impostos em parte para manter as reformas actuais). Que os reformados têm direito à sua reforma porque descontaram para ela. E em linha com o anterior, que os reformados são credores do Estado e a reforma é apenas o receber do empréstimo (descontos) que fizeram quando trabalhavam!

Isso é tudo muito lindo fosse verdade. Na verdade a nossa Segurança Social não funciona como um vulgar Fundo de Pensões em que a nossa contribuição é colocada de parte a capitalizar e depois quando nos reformamos vamos recebê-la. Poderia ser assim, é verdade, mas aí as pessoas iriam notar que não receberiam tanto como com as actuais regras.
Na verdade a SS é um sistema solidário de transferência inter-gerações em que o que é descontado hoje serve para pagar as pensões de quem está reformado hoje. Não existe capitalização dos descontos porque são imediatamente entregues aos actuais reformados.
E foram decididas regras de cálculo das reformas para as quais se sabia que os descontos não eram suficientes. Mas funcionava porque na altura havia poucos reformados e muitos contribuintes, assim como descontava-se 45 anos e só se recebia reforma uns 15 (o que permitia que a reforma fosse 3x superior aos descontos sem o sistema entrar em falência). Mas de há uns anos para cá existem cada vez mais reformados, e com o aumento da esperança média de vida, estão muitos mais anos a receber. E como as pessoas começam a trabalhar (com descontos) cada vez mais tarde estamos numa situação em que financia-se a SS durante menos anos, mas recebe-se dela mais. Isto é insustentável digam o que disserem!

E ainda pior quando temos casos como a Assunção Esteves. Ela, que não é caso único, consegue ser um exemplo para várias coisas erradas com as regras das pensões (algumas corrigidas entretanto).
Trabalhou mais ou menos 10 anos (pois só concluiu a carreira académica em 1989), reformou-se aos 42 (em 1998) e está este tempo todo a receber uma reforma que agora é de €7255! Admito que me custa a entender como chegou a este valor, porque quando se reformou (como na notícia abaixo) "só" tinha uma reforma de pouco mais de €2300 (em escudos na altura):

Mas aqui temos um caso de alguém que descontou menos de uma dúzia de anos, e depois estará pelo menos 50 anos (ela está bem estimada, chega claramente aos 90) a receber. Mas alguém pode dizer que ela descontou na sua curta carreira contributiva dinheiro para receber os mais de €7000? Nem para receber os €2300 quanto mais...

E a Assunção Esteves não é caso único. Muitas outras pessoas beneficiaram das regras que lhes permitiram aferir uma pensão de valor equivalente (alguns casos superior até) ao seu salário, quando o desconto desse salário seria sempre na ordem dos 34%. Eu conheço pessoalmente várias pessoas que recebem actualmente de reforma mais do que alguma vez ganharam por mês quando trabalhavam. E estão para durar uns largos anos, tal como a Assunção Esteves...

Se eu ganhasse uma média de 1000 euros mensais durante 30 anos, descontaria por mês na ordem dos €345 euros para SS (que serve para tudo não é só reforma). Se me quisesse reformar com 80% do meu salário, €800, os meus descontos dariam só para 13 anos. Se o dinheiro fosse colocado num fundo de pensões, a render juros a uma taxa média de 5%, então daria para receber 80% do meu anterior vencimento durante 30 anos também.
Isto se a SS funcionasse como uma vulgar fundo de pensões, mas não funciona até porque a TSU serve para pagar todos os apoios sociais, não é só para as reformas.
Mas nenhum sistema do mundo permite que se receba mais durante mais anos, a não ser que se consiga taxas de juro elevadas, mas essas nunca são garantidas e pode-se mesmo perder dinheiro em certos anos.

Com tudo isto quero dizer que os governantes têm de sentir embaraçados sim. Embaraçados porque não conseguem mais uma vez alterar um sistema que é deficitário e insustentável pelas actuais regras mas ao invés de se reformar esse sistema com novas regras e novos métodos, apenas usa-se um corte em cima do que já existe. Não é nenhuma medida estrutural nem sequer é a mais justa, mas é a única que estes gajos sabem implementar...

2 comentários:

  1. Concordo plenamente contigo, mas só duas clarificações, a primeira, sem uma certeza a 100%, a Segurança Social , faz capitalização dos descontos que fazemoas através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), áliás serviu para comprar divida portuguesa, e por isso a discussaõ de o perdaõ da divida não se rmuito bom. Segunda ponto, o problema dos direitos adquiridos, que do meu ponto de vista não deviam existir nesta matéria olhando ás circunstâncias do país e as prespectivas d futuro para todos nós...mas concordo que situaçõs como a que apresentas, e que sao muitas, é o que mata a segurança social, ou pelo menos ajuda muito. Um abraço.

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  2. Sim, a SS usa fundos de Pensões e faz capitalização dos seus "rendimentos". Eu sei disso e sei que o meu texto sugere que o contrário. Mas se fosse a falar e debruçar-me sobre os diferentes modos de financiamento da SS perdia umas horas e a minha vida é outra coisa e outros assuntos existem para dissertar :)

    A SS investe dinheiro que recebe para pagar reformas em Fundos de Pensões, para o capitalizar, sem dúvida. Mas não o faz por cada pessoa. O dinheiro que um individuo entrega à SS através da TSU não vai direitinho para a sua própria conta de poupança e fica quietinho a render até ao dia em que ele se reforma. Para além do mais a TSU serve para pagar todas as despesas sociais cobertas pela SS (saúde, baixas, desemprego, RSI, etc...).
    Teria de estudar em muito mais detalhe como a SS divide as contribuições e quais as que reserva para reforma e qt põe de lado em Fundos de Pensões. como disse, isso dá um bocado de trabalho e eu não recebo nada para comentar as coisas, portanto limitei-me a usar outras fontes, assumindo como correctas. Como são varias as que dizem que, já desde há vários anos que as reformas de agora são pagas com as contribuições de agora, assumi que isso é a forma correcta como funciona.
    Até pq noutros países europeus acontece a mesma cosia (e aqui na Holanda tem documentação clara nesse sentido, em inglês até).

    Nem quis falar dos direitos adquiridos pq seria quase entrar em discussões de filosofia, o que é correcto ou não. Tentei ser mais factual e mostrar com exemplos simples, que o sistema actual não funciona e não simplesmente a cortar mas mantendo o sistema que se resolve alguma coisa.

    Outra coisa que deixei de fora são as pensões mínimas ou sociais que nem são pra aqui chamadas, pois para além de representar uma fatia pequena do bolo, estas são precisamente aquelas que o Estado tem de manter, pois é precisamente o seu papel de dar condições de vida a quem não as consegue por si próprio ter (e não dar pensões de mais de €3000 a quem foi político durante uns mandatos).

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