quarta-feira, março 29, 2017

Considerações sobre as eleições holandesas

As eleições para a câmara baixa do Parlamento holandês já foram há 2 semanas mas eu só agora consegui arranjar tempo suficiente para abordar os resultados. Como passou tanto tempo não vou fazer uma análise muito detalhada nem tecer grandes opiniões, vou-me focar sobre algumas particularidades dos resultados, uma análise da distribuição e demografia dos votos, e falar do que vai ser, aliás do que já começou a ser discutido desde que os resultados foram confirmados.


Porque é que tantos partidos elegem deputados se os lugares são apenas 150?
Para quem está habituado ao cenário político de Portugal, onde o nosso Parlamento é composto por 230 deputados, pode ficar um bocado admirado como é que na Holanda com um parlamento com apenas 65% dos mandatos consegue ter 260% a mais de representação das listas a votos (nota: em 2015 apenas 5 das listas a votos elegeram deputados, porque PSD e CDS concorrem juntos, assim como o PCP e o PEV concorreram como CDU como sempre). E sobretudo quando o método para eleger os deputados é o mesmo que o usado em Portugal!
Deve-se tudo ao simples facto de aqui existir um círculo único nacional, o que faz com que basicamente cada partido que tenha 0,75% dos votos consegue eleger 1 deputado. Se em Portugal tivéssemos igualmente apenas um círculo nacional, isso significaria que um partido com 1% elegeria pelo menos 2 deputados e 3% dos votos daria para 7 mandatos. Nas eleições de 2015 o PDR, o PCTP e o LIVRE teriam elegido deputados. E também significa que o PS teria apenas 75 deputados (na vez de 86) mas o Bloco já teria 24 (na vez de 19). Mas em Portugal temos círculos distritais e por isso a mesma fórmula é usada mas para dividir os votos totais no distrito pelo número de deputados que elege. Por exemplo em Aveiro, o meu distrito, são eleitos 16 deputados, por isso um partido para eleger 1 deputado no círculo de Aveiro tem de ter 6,25% dos votos no distrito, um valor substancial. Já em Lisboa, onde são eleitos 47 deputados, um partido precisa apenas de 2.13% dos votos para eleger um deputado.
Mas eu vim aqui para falar das eleições holandesas, onde existe uma grande dispersão dos votos em muitos partidos. E quase sempre foi assim, pois desde a Segunda Guerra Mundial que nunca nenhum partido governou sozinho, tendo havido sempre coligações. E não se saíram nada mal ao contrário de outros onde períodos de maiorias absolutas às vezes por múltiplos mandatos até têm sido mais habituais. E portanto eu acho bonito os resultados daqui e penso que a política e eleições em quase todo o Mundo deveriam ser como aqui.

Será que a dita extrema-direita foi mesmo derrotada?
Eu acho que a principal razão de tanto interesse noutros países, como em Portugal, pelas eleições deste ano era por causa das sondagens em tempos terem dado o PVV do Wilders, considerado extrema-direita, como vencedor. Acabou por ser o segundo partido mais votado e quase certo ficar de fora da coligação do Governo (ele não é indispensável) e muita gente suspirou de alívio pela derrota da extrema-direita. Mas na verdade não se pode considerar que o PVV teve uma derrota. Ao fim e ao cabo elegeu mais 5 deputados do que nas eleições anteriores.
Ainda por cima não só de PVV vive a dita extrema-direita, pois este ano concorreu um novo partido, o Fórum para a Democracia (FvD) que elegeu 2 deputados. Assim a extrema-direita holandesa, passou de 15 deputados para 22, um aumento de quase 50%.
Apesar do crescimento, ainda assim os 2 partidos ficaram abaixo do resultado conseguido pelo PVV em 2010, onde elegeu 24 deputados e fez parte da coligação que apoiava o Governo. Foi aliás a retirada de apoio do PVV ao governo da altura que obrigou a eleições antecipadas em 2012. Portanto ao contrário do que a SIC afirmou durante a cobertura das eleições holandesas, o resultado do PVV não foi histórico (há 7 anos teve mais votos) e nem juntado o FvD se bate esse resultado histórico de 2010.
Fica no entanto a pergunta: porque é que os partidos mais extremistas e que não parecem ser grandes fãs da verdadeira liberdade e democracia gostam de ter nomes que soam ao oposto disso? O PVV é Partido para a Liberdade. E o tal novo é Forum para a Democracia...

Amesterdão não é como o resto da Holanda.
Para quem já mora aqui há uns anos, e sobretudo para os holandeses que sempre moraram aqui, já se sabe que Amesterdão, a capital (mas não a sede do poder político) e maior cidade do país é diferente do resto do país. Não da mesma maneira como a maioria dos portugueses vê Lisboa (o país é Lisboa e o resto é paisagem) mas porque aqui a sociedade e o próprio estilo de vida é diferente de quase todo o resto do país. Existem 180 nacionalidades diferentes registadas a viver aqui nesta cidade. Ou seja Amesterdão tem cidadãos de quase todos os países do Mundo. Não existe nenhuma cidade no resto do Mundo, Nova Iorque e Londres incluídas, que tenham tantas nacionalidades diferentes. Aqui também se consegue viver anos, ou uma vida inteira, sem falar holandês.
Mas para quem está habituado a Amesterdão e muda-se para, ou passa por, outra cidade na Holanda pode sentir um choque. Até posso dar um exemplo muito simples que aconteceu comigo: costumamos ir a um restaurante que serve um brunch ao Domingo aqui em Amesterdão e todo o staff de lá fala inglês. No outro dia fomos ao mesmo restaurante (mesmos donos) mas em Utrecht (que é a quarta maior cidade da Holanda) e já vários empregados não falavam inglês.
Os resultados das eleições mostram essa diferença que falo, como podem ver no gráfico:
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O GroenLinks foi quem obteve mais votos, seguido do D66, eventualmente os 2 partidos considerados mais progressistas. E o PVV e o CDA, os 2° e 3° partidos mais votados no país, tiveram poucos votos. Aliás o Denk, o partido dos turcos, foi o 5° mais votado em Amesterdão.
Eu durante a noite das eleições twitei que ao contrário do resto do país tinham votado menos pessoas que em 2012, mas reparei agora que troquei os valores do turnout. Mesmo assim, uma participação inferior ao resto do país se bem que não tenho teorias para esse factor.

O D66 é mais votado por pessoas com mais habilitações.
E por habilitações quero dizer pessoas com mais anos, ou com maior nível, de ensino. Isso pode-se ver no gráfico da distribuição de votos por nível de educação (Superior, Médio ou Básico):
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É preciso referir que estes dados são obtidos por sondagens, uma vez que o voto é secreto. E é a distribuição por cada partido por isso não significa que o D66 foi o partido mais votado pelas holandeses com ensino superior. Os cerca de 48% dos votantes no VVD com ensino superior são mais pessoas que os cerca de 58% dos votantes no D66 com ensino superior.
Mas é curioso ver que os 2 partidos considerados mais progressistas atraíram mais pessoas com um nível elevado de ensino.
E isto não está só exemplificado neste gráfico como está, para mim pelo menos, também comprovado pelos resultados nos municípios com as melhores Universidades do país, e cujas cidades são conhecidas por serem cidades universitárias onde moram muitos estudantes e investigadores; em Delft, Wageningen, Leiden, Groningen e Utrecht. o D66 foi o partido mais votado. Em Amesterdão, que também é uma cidade universitária apesar de ser muito mais que isso, o D66 foi o segundo mais votado e com pouca diferença para o primeiro. Nem sei se Roterdão chega a ser excepção, pois tal como Amesterdão também é uma cidade universitário mas muito mais que isso, uma vez que o D66 foi o terceiro mais votado e com menos de 3 pontos percentuais de diferença para o primeiro.
O que podemos comprovar é que de todos os partidos o PVV atrai mais pessoas com nível inferior de educação. Não chega a 40%, e tem mais percentagem de eleitores com nível médio, mas confirma-se aqui uma das teorias que o discurso populista tem mais eco em pessoas ditas mais burras e atrai muito menos os ditos inteligentes.

E também há uma diferença entre zonas urbanas e o resto?
E na mesma linha de raciocínio, tal como se assistiu nos EUA ou no referendo do Brexit, será que as intenções de voto também são diferentes entre as pessoas que vivem em grandes cidades e as que vivem noutras zonas mais rurais ou de pequenas vilas? Normalmente é nas grandes cidades onde existe mais diversidade. É curioso que também é nas grandes cidades onde costuma haver mais criminalidade e teoricamente onde se sentiria mais os problemas sociais, da integração com comunidades estrangeiras, tudo temas que potenciariam o discurso populista das causas simples para problemas complexos.
Mas aqui será que aqui os resultados mostram, tal como mostraram no EUA e no UK, que afinal as pessoas que vivem mais em contacto com os tais estrangeiros e com os problemas que os populistas identificam, não votam nos populistas? Não é conclusivo.
Nas 5 maiores cidades do país (Amesterdão, Roterdão, Haia, Utrecht e Eindhoven), em 2 (Amesterdão e Utecht) o PVV teve uma votação baixa, noutras 2 (Roterdão e Haia) foi o segundo mais votado tal como no total do país, e em Eindhoven foi o terceiro mais votado atrás do D66. Não dá para tirar conclusões semelhantes às dos EUA e do referendo do UK, até porque Amesterdão é um caso aparte como escrevi anteriormente.

Já agora, o resto da distribuição demográfica...
Podem ver aqui os gráficos da distribuição por idade e por género (sexo):
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De salientar que mais de 60% dos votos no GroenLinks foi de mulheres e que o partido também atrai os mais jovens. Talvez seja pelo facto do seu líder ser o Jesse Klaver, um jovem de 30 anos bem parecido.
E o trambolhão dos trabalhistas do PvdA pode ser explicado por ser o partido com menos votos de jovens e mais de idosos. A ideia geral dos holandeses com quem falei sobre as eleições é que os ideais sociais-democratas que são a base do PvdA são uma realidade desde há muitos anos e por isso não faz sentido continuar a exigir-se direitos que já existem e fazem parte da normalidade (essa coisa tão apreciada pelos holandeses).

Disto tudo vai ter que sair uma coligação para governar!
Discutir as eleições, os resultados, que leituras se fazem ou que ilações retiramos dos mesmos, é muito interessante e dá para escrever dezenas de parágrafos mas o cerne da questão é que a eleição aconteceu para escolher um novo Governo.
Se li correctamente as notícias, esta vai ser a primeira vez que são precisos 4 partidos no mínimo para obter maioria na Segunda Câmara (o parlamento). Mas também é preciso que essa coligação tenha maioria na Primeira Câmara, o Senado. Os membros do Senado resultam das eleições regionais, que aconteceram em 2015. A distribuição do Senado é diferente da actual distribuição do Parlamento pois o PVV é apenas o quarto partido mais representado e o GroenLinks apenas o sétimo.
No entanto as negociações para uma coligação já iniciaram entre VVD, CDA, D66 e o GL.
Estes 4 partidos conseguem ter a maioria no Parlamento e no Senado. O curioso é que o GL é o único partido de esquerda (o D66 só é de esquerda a nível social mas de direita a nível económico).
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Pessoalmente é uma coligação que me agrada pois incluiria os 2 partidos mais progressistas (D66 e GL) e eu acho importante o GL estar no Governo pois ecologia e ambiente são 2 temas que considero muito importantes, aliás cada vez mais, apesar de não ter lido o programa deles e desconhecer propostas concretas. Mas as negociações vão ser difíceis pois existem pontos bastante divergentes entre o GL e curiosamente o VVD (e não o CDA como eu suporia).
É curioso que o PvdA esteve na anterior coligação do Governo e os seus mandatos, tanto no Parlamento como no Senado, são suficientes para uma maioria, mas o partido como que implodiu e houve mesmo quem pedisse que o extinguissem e se juntassem ao GL Não parecem haver condições para que o PvdA faça parte duma coligação pois o seu futuro é incerto.
Vamos a ver quanto tempo vai durar e se a Holanda vai estar sem governo por ainda mais dias do que a sua vizinha Bélgica esteve (589 dias sem governo eleito entre 2010 e 2011).

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