domingo, fevereiro 28, 2021

Se fosse só pelos parques...


Há coisa de um mês atrás partilhei estas duas fotos no Facebook, com um texto que explicava que uma das razões de não querer voltar a Portugal é o ter uma qualidade de vida muito melhor sobretudo quando pensamos em crianças e no crescimento das mesmas. Os parques serviram apenas como um simples exemplo, fácil de quantificar e qualificar ao comparar com a realidade em Portugal, em muitas terras (ou mesmo todas) de dimensão similar àquela onde moro actualmente.
Mas claro que não é só pelos parques...

Quando estava a dar a volta com os miúdos e tirei as fotos já com a ideia da partilha que acabei por fazer, me recordava também duma questão da minha terapeuta (que para contextualizar é Portuguesa apesar de estar a trabalhar aqui, mas parece-me que passa por volta de 1/3 do tempo em Portugal, onde ainda atende também). Ela perguntou-me se não equacionava voltar a Portugal uma vez que era infeliz aqui. E sim na altura estava infeliz mas não era de estar aqui. Estava aqui mas estaria quase de certeza igual, ou pior, se estivesse em Portugal. Certo que estes tempos de Covid, que me deixaram confinado há quase um ano, contribuíram para um sentimento de solidão e falta da família próxima e amigos que estão na pátria mãe, e sentir mais que continuo um estranho em terra estranha. Mas como já vi escrito algures, o problema para nós que saímos da nossa terra porque queríamos, é que passamos a ser estranhos também quando à mesma regressamos! Aliás eu, como outros na mesma situação que eu, saí de Portugal por já me sentir um "estranho". Não para as pessoas, mas para o resto. Eu já queria outra coisa, outra coisa que sabia existir fora. A distância e o passar do tempo apenas levam a que as pessoas que deixamos também nos fazem sentir depois um estranho. Tal como eu sei que me tornei um estranho para muitos, pois não sou nem de longe nem de perto o mesmo BaKano que apanhou um avião a 28 de Novembro de 2010 para iniciar uma nova fase!
Mas adiante que já estou a divagar...

A primeira coisa que respondi à minha terapeuta foi o aqui ser muito melhor para os filhos. Lá está o exemplo dos parques. Tal como a publicação do Facebook, até numa pergunta séria saiu-me o mesmo tipo de resposta.
Não me recordo agora se dei mais razões para não equacionar o regresso a Portugal, talvez a minha terapeuta se lembre e talvez ela leia este texto (já leu alguns aqui do blog) mas o que me fez vir escrever este texto foi uma conversa com o meu irmão Ricardo (que é o único que tenho) que como de costume começou com um exemplo dos miúdos mas acabou por resultar em mais uma comparação entre Portugal e não-Portugal (digo de propósito porque não foram usados apenas exemplos daqui dos Países Baixos).

Enviei um vídeo dos miúdos a brincar às entregas na porta da rua, ainda antes das 16:00 daqui (15:00 em Portugal Continental). Ele perguntou admirado se estávamos todos em casa e porque é que os meninos, ele designa-os sempre assim, não estavam na escola. Expliquei que esta semana era férias mas mesmo que não fosse, àquela hora era costume estarem em casa, pois saem da escola às 14:15. E a resposta do meu irmão foi que saber horários daqui só lhe dá nervos, tal como uma vez quando a Carolina se queixou que eu chegava mais tarde a casa, por volta das 18:30.
E claro que isso enerva o meu irmão, eu percebi porquê e a conversa seguiu esse rumo: é quase inconcebível para quem está em Portugal, ter os miúdos em casa tão cedo, e chegar a casa do trabalho (antes da pandemia obviamente) às 18:30 é chegar cedíssimo! Aliás sair do trabalho às 18:30 é sair cedo.
E eu quando estava em Portugal sabia disso. Trabalhei sempre em Aveiro, e tirando os meses em que morava em casa dos pais em Sever do Vouga, demorava pouquíssimo tempo para ir para, e vir do, trabalho. Muita gente gasta horas todos os dias na deslocação, adicionando os desvios para levar os miúdos à creche/escola e ir buscar aos ATLs ou casa dos avós.

Eu disse ao meu irmão que não conseguia sequer imaginar-me a ser pai em Portugal com os ritmos de vida que se tem lá! Mais uma razão para não querer voltar a Portugal.
Nem tem a ver com o dinheiro que se ganha, pois até poderia eventualmente encontrar um emprego que pagasse bastante bem (para Portugal). Aliás tive há uns anos uma proposta muito boa a nível de salário e regalias da IBM Portugal (e agora por exemplo ganho substancialmente menos do que ganhava na altura) mas nunca na vida teria o estilo de vida que levo aqui e poder usufruir mais tempo para nós e para a família.
Mas admito que curiosamente conheço muita gente em Portugal que conseguem fazer muita coisa na sua vida, mais do que eu, tanto a nível de actividades lúdicas, como hobbies e até viajar. Mas nas actividades diárias eu presumo que se consegue em muitos casos à custa de dormir menos. E não só os pais, sobretudo as crianças!
Considerando que até em meios pequenos como o concelho onde cresci, muitos pais só vão ter com os filhos depois das 19:00, como é que há tempo para fazer jantar (alguns jantam nos avós), comer, ajudar nos trabalhos de casa, brincar, lavar, etc? A que horas é que os pais com miúdos na primária como nós conseguem pôr os filhos na cama? E a que horas têm de se levantar no dia a seguir para sair de casa a tempo para a escola e depois o próprios empregos?
Para mim, agora que estou habituado a uma nova realidade, nem consigo conceber, e não me vejo a abdicar do estilo de vida familiar que temos aqui. E muito menos a abdicar do tempo de sono dos miúdos! Isso é um ponto de "conflito" com a família em Portugal, pois nós pomos os miúdos a dormir muito cedo, e "ninguém" que eles conhecem fazem isso! Mas a falta de sono nas crianças em Portugal tem sido apontado muitas vezes e é uma fonte de vários problemas...

Depois desta conversa sobre horários, com especial enfoque nos miúdos, a conversa seguiu para uma outro componente: o tempo que as pessoas passam nos empregos e a cultura que está estabelecida nesse aspecto, tanto a nível de chefias (patronato) como dos próprios trabalhadores.
Enquanto que aqui eu tive managers, chefes vá, que chegadas as 18:00 me mandavam para casa ou perguntavam o que ainda estava a fazer, em Portugal normalmente ninguém quer sair antes do chefe e muitos chefes perguntam porque motivo alguém está a sair a horas (como se isso fosse quase um crime).
O meu chefe actual, que até é Português, costuma comentar sempre na sexta de manhã que é para levar o dia com calma, pois é sexta-feira e não é para stressar!
Mas não é só aqui que a sexta-feira é dia especial: lembro-me no tempo da IBM de raramente conseguir falar com alguém na Alemanha numa sexta à tarde. Quando estive no UK, era habitual ir-se almoçar fora à sexta-feira (nos outros dias era a sande na secretária) e às 15:30~16:00 saía-se para ir beber uns copos a um pub antes de ir para casa. No Japão era também habitual sair-se mais cedo à sexta mas também era nesse dia que se chegava mais tarde a casa, pois saía-se do escritório para ir apanhar uma borracheira...
Voltando ao sair a horas, em Portugal até os colegas mandam bocas se alguém sai "cedo", e sair cedo é sair à hora ou "só" uma hora mais tarde. Lembro-me da Gabi nos contar que lhe perguntavam porque saía tão cedo uma vez que era solteira, não tinha filhos nem namorado e morava sozinha.

É uma cultura que já está enraizada. Noutros países, como na Alemanha, se alguém fica sempre até mais tarde todos os dias, o mais certo é ser despedido por os chefes acharem que essa pessoa não consegue executar o trabalho no tempo destinado, ao contrário dos colegas. Mas em Portugal as pessoas têm de ficar até mais tarde porque o trabalho é muito. E sem receber horas extras que já lá vai o tempo em que a regra era ainda pagar as horas extraordinárias. É certo que leio ainda muitas notícias sobre isso, mas pessoas que eu conheço melhor, isso das horas extraordinárias quando são pagas é um caso excepcional.
Mas os chefes em Portugal, sabem, ou pelo menos mantêm a ameaça que se alguém não gosta de trabalhar de borla (pois se fazes mais horas e não recebes, estás a trabalhar de borla) há mais quem queira. E se os chefes dizem isso, as pessoas também acham que quem não quer "dar o litro" ou só fazer aquilo que foi acordado e correctamente remunerado não quer trabalhar, quer um emprego!
Conversas deste teor ouvi eu várias vezes até no seio da minha família. Imagino mesmo que também partilhei desta cultura. Agora que sei que existe "um outro mundo" até me custa a aceitar que terei em tempos chamado de malandro a quem se recusou dar horas de borla ao patrão (já depois de anos a dar muitas, mas sempre a ser pedido mais)...

Ainda neste tema, não só soube destes exemplos noutros países mas assisti aqui também, como reagem ao muito trabalho e à necessidade de horas extras, aqueles que têm outra cultura. Quando horas extra começam a tornar-se constantes, a maioria das empresas contratam mais gente, pois é fácil de perceber que os trabalhadores que tem não conseguem fazer sistematicamente o trabalho. E tem toda a lógica porque "ninguém" inteligente quer uma situação de desgaste constante de horas extras; a empresa tem de pagar mais e a situação é insustentável não só a esse nível financeiro mas porque em muitos países existem limites de horas extra; mas pior para as empresas é o risco de perderem as pessoas, seja porque têm de meter baixa por ficarem cansadas ou irem se embora definitivamente.
Eu sei que muita gente não consegue ver isso mas os trabalhadores são um bem da empresa: eles geram dinheiro e têm know-how. Ao contrário do que muitos acham, deixar ir embora alguém que tem experiência e valor, até mesmo em coisas pouco glamorosas como caixa de supermercado, e substituir por um(a) novato(a) representa uma perda de eficiência mesmo poupando no salário pago.

Este problema específico de dispensar trabalhadores não é exclusivo de Portugal, acontece um pouco por todo o mundo porque o caminho fácil dos gestores quando os lucros não são os esperados (mesmo que tenham aumentado) é diminuir as despesas operacionais, despedindo trabalhadores, mas em Portugal nota-se bem isto. Está mais enraizado, julgo eu. Temos o cúmulo de haver locais onde tudo descamba quando uma ou duas pessoas não ficam duas horas a mais por dia para acabar de processar encomendas, e, ainda pior, os chefes oferecem uns tostões para tentar mandar alguém embora, pois é preciso "cortar nas gorduras"... Enfim...

Já desde 2005 que me tinha apercebido que a relva era realmente mais verde do outro lado, mas era do outro lado dos Pirinéus; e depois vi que era mais longe ainda! As condições só se alinharam para sair em 2010 como eu queria e assim foi. Vim para aqui, não foi fácil mesmo que no inicio parecesse que sim. Não foi e não é fácil. Continuo a ser um estranho numa terra estranha. Certos costumes daqui deixam-me irritado. Falta a proximidade da familia e amigos chegados para poderem acudir aqui e ali, e este ano houve tanto para acudir... Faltam as coisas boas de Portugal: o tempo, a comida, o estilo das pessoas que fora trabalhos (excluo os serviços a outros que nisso somos muito bons no geral) e processos e assim, são na larga maioria boas pessoas, simpáticas e prestáveis. E faltam os cheiros, cores, relevos e sons; os daqui são diferentes.
Mas eu supunha, admito que não sabia na verdade, que algo ficaria para trás e perderia parte importante da vida ao sair de Portugal. Mas o que perdi compensará o que ganhei? Mesmo com os problemas deste ano? Acho que não.

Se estive muito infeliz nos Países Baixos durante o ultimo ano que passou, tenho a certeza que não  estaria menos se tivesse voltado para Portugal.

1 comentário:

  1. É a velha máxima de não haver países perfeitos! Estou contigo em tudo! Sinto-me mais em casa em Portugal mas não me vejo a voltar com filhos pequenos, os parques, o equilíbrio vida pessoal-profissional, no meu caso trabalho também porque é uma área mais difícil mas mesmo que arranjasse algo fantástico não acho que me voltasse a habituar a viver naqueles moldes. Ver os putos para os meter na cama, pedir por favor para ter acesso aos meus direitos laborais e ainda ser má vista, ouvir comentários tipo "mãe é para sofrer" ou ele ter de ouvir se os filhos não têm mãe para os ir buscar quando doentes...

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