segunda-feira, março 28, 2016

Símbolos da Páscoa

Nestes dias vi partilhadas muitas mensagens sobre a Páscoa e os seus símbolos.
Algumas pessoas mais tradicionalistas ou conservadoras, não vou dizer que são Cristão porque não sei mesmo avaliar a fé delas, a protestarem contra o coelho e os ovos, comparando esses símbolos com o Pai Natal da Coca-Cola que agora representa o Natal.
E outras que me parecem ateus ou agnósticos, com explicações sobre a origem da Páscoa relacionada com uma antiga deusa e o porquê do coelho e dos ovos e a sua não-relação com a religião cristã, mas sim relacionados com a fertilidade e o sexo.

O curioso é que ambas as visões parecem concordar com uma coisa: Os ovos e o coelho da Páscoa não têm nada a ver com Cristo e a religião. Ou afinal têm?

Primeiro debruço-me sobre a segunda teoria. Como disse vi partilhado no Facebook, penso eu com muito orgulho, que o nome da Páscoa (em inglês Easter) deriva da deusa Ishtar, a deusa da Mesopotâmia da fertilidade, amor, guerra e sexo. O texto ligava os 2 nomes de fonética similar, Ishtar e Easter, e afirmava que o coelho e os ovos eram ambos símbolos da deusa (fertilidade e sexo), A teoria era que a festa e os seus símbolos passaram a ser a nossa Páscoa quando os romanos se converteram ao Cristianismo.
Parecer ter lógica, pois é sabido que muitas das festas da igreja católica foram baseadas em outras anteriores, como o caso do Natal. É muito mais fácil substituir festas existentes que as pessoas celebrem por uma religiosa mas no mesmo dia e nos mesmo moldes. Mais difícil é fazer as pessoas mudarem os seus costumes e terem de celebrar outra coisa a outra data.
Também é verdade que ao ser uma celebração móvel, na medida que a data muda e está dependente de fenómenos astronómicos, e não celebrada a um dia fixo como no caso dos outros mártires (dias dos santos) prova que esta celebração não é exclusivamente relacionada com a morte e ressurreição de Cristo.
Só que a teoria de Ishtar não faz sentido. Primeiro porque Easter é só o nome anglófono. Os germânicos têm um parecido Ostern, mas a maioria dos nomes derivam do grego Pascha, que é o nome dado à Páscoa Judaica, que qualquer cristão que fez a catequese deveria saber ser a festa que deu origem à Páscoa Cristã (diferentes acontecimentos, mas datas similares e mesmo significado religioso).
O inglês Easter deriva mesmo do germânico Ostern. É notório a ligação entre os termos e a palavra para Este, que é o Nascente com todo a sua simbologia de ser o início de um novo dia, mas pensa-se também que o nome deriva de uma deusa germânica chamada Eostre, ou Ostara, que também era celebrada por esta altura.
Dizem os historiadores que os ovos e as lebres (e não coelhos) sempre foram relacionados com as celebrações desta deusa, assim como de uma deusa nórdica similar e obviamente os povos do norte da Europa sempre mantiveram estes hábitos (por alguma razão trocaram as lebres por coelhos).
São definitivamente símbolos de fertilidade mas não existem provas que Eostre seja a versão germânica de Ishtar.
Para mais os símbolos de Ishtar são o leão e uma estrela de oito pontas e não coelhos e ovos.
Para mim, a ligação entre Páscoa (Easter) e Ishtar e a devida justificação dos coelhos e ovos é apenas mais uma criação da Internet e partilhada por aqueles que gostam da festa mas não do significado religioso e acham piada que se associa a maior festa religiosa do Cristianismo a sexo e fertilidade (temas algo tabu para os mais conservadores religiosos).
Apesar de achar que existe muitas ligações entre festas antigas da fertilidade e a data da Páscoa, a sua origem em Ishtar é para mim inexistente.

Então estarão certos aqueles que acham que coelhos e ovos não deveriam ter lugar na Pascoa cristã?
Como escrevi ali em cima, são símbolos antigos já usados por muito séculos nas celebrações da mesma altura, por isso faz todo o sentido que a tradição se tenha mantido mesmo que passássemos (trocadilho intencional) a celebrar outra coisa (a ressurreição de Cristo).
Mas poucos talvez saberão que os ovos têm um significado bastante adequado à Páscoa. O ovo pascal representa a tumba vazia de Cristo. Considera-se que os ovos são uma representação da morte e renascimento desde o Antigo Egipto (o ovo morre e nasce a ave) e em Africa encontrou-se ovos decorados com mais de 60000 anos. Como já escrevi, e devia ser do conhecimento geral de qualquer cristão que fez catequese, os rituais antigos foram incorporados nas celebrações cristãs por isso mesmo que não gostemos, os ovos são desde sempre um dos símbolos da Páscoa.
Já os coelhos, ou lebres, parecem ter sido introduzidos no costume religioso pelos luteranos alemães, influenciados certamente pelos hábitos dos povos do Norte da Europa que associavam as lebres e coelhos às festas da Primavera, E sim, são um símbolo de fertilidade e para mim é claro que é só mais outro exemplo de símbolos pagãos serem convertidos a símbolos cristãos. No entanto já é um símbolo tão antigo, e com origens perfeitamente justificadas, que faz todo o seu sentido nos costumes pascais de agora.
Por isso a visão de que ovos e coelhos não deviam fazer parte da Páscoa é para mim completamente errada. São costumes milenares, com forte significado tanto religioso como primaveril, e não são simplesmente outra invenção do marketing ocidental para vender mais coisas. O marketing explora esses símbolos mas isso é só o produto da nossa sociedade actual.

Já para mim a Páscoa tem outros símbolos: é o Sol (a maior parte das minhas memórias são de dias soalheiros); o Compasso e beijar o Cristo na Cruz; o tabuleiros, adornados com rendas, com doces e licores para os membros do Compasso; as amêndoas (mesmo que comesse poucas, tinha de haver); o ir a casa dos tios para beijar o Cristo na Cruz mais 2 ou 3 vezes; os bolos de coco em casa da Tia Cidália; a família toda junta na casa da Tia Cidália e os grandes debates em família sobre os mais variados temas; o caminhar pela aldeia e desejar Páscoa Feliz aos conterrâneos muitos dos quais já não víamos desde o ano anterior; o folar da Páscoa, não o bolo mas a notita que os padrinhos pais e avós davam sempre...

Queria ter escrito isto ontem de manhã mas não tive tempo e fomos passar a Páscoa em casa de uns amigos onde começamos uma nova tradição: a caça aos ovos da Páscoa.
Pois é assim a vida, deixam-se uns costumes e abraçamos novos até que um dia a nossa celebração é uma amálgama de coisas mas que se torna a nova tradição para o futuro.
Hoje aproveito para gozar o segundo dia de Páscoa, que é a tradição por estas bandas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Opina à tua vontade