quinta-feira, abril 24, 2014

Ainda há muita água para correr debaixo da ponte

Há várias semanas que já não escrevo nada sobe a situação da Ucrânia. Nem no blog nem pelas outras redes sociais (Facebook, Twitter) isto apesar de ter havido evoluções.
Volta e meia dou comigo a pensar "mas afinal o que aconteceu?" pois apesar da anexação da Crimeia ser um fait accompli, muitas perguntas ficaram no ar, e para as quais não encontrei facilmente uma resposta. O que aconteceu aos soldados da Ucrânia que lá estavam estacionados e aos navios da Marinha? Houve êxodo, que chegou a ser anunciado, de população não-russa para fora da Crimeia? Com a mudança de direcção, os pagamentos continuam a ser feitos vindo agora o dinheiro de Moscovo? Anda tudo feliz e contente e ficaram logo todos mais ricos e a ganhar mais uma vez que são russos agora?

Só que entretanto a atenção foi desviada da Crimeia para as regiões de Donestk e Luhansk onde o cenário da Geórgia (2008) e da Crimeia se repete. Milícias pro-russas, oficialmente de locais mas equipadas de igual como as forças da Crimeia, ocupam edifícios chave e as regiões pedem autonomia, ou mesmo a secessão da Ucrânia.
Desta vez Kiev tentou evitar o mesmo desenlace e, correndo o risco de dar justificação à Rússia de intervir em larga escala e oficialmente, lançou operações, inteligentemente denominadas anti-terroristas, para retomar o controlo.
Mas esta acção mostrou que Kiev é impotente nesta matéria. Apesar de a maioria dos militares parecerem obedecer às ordens e terem realmente se deslocado para a região, os mesmos não querem, e com razão, agir contra civis, que (ainda) são seus compatriotas. Muitos não querem também combater os russos que vêm como "primos" e amigos, para não dizer que têm receio de o fazer, pois os russos têm claramente mais e melhores meios.

Mas todo o cenário chega a roçar o ridículo. Grande parte das forças para-militares em acção têm equipamento similar e agem da mesma forma que na Crimeia. Não são simples forças populares, pois são muito profissionais e tacticamente disciplinados. No entanto desta vez o Kremlin foi mais esperto e não enviou os veículos com matrículas militares russas. Os soldados, que para mim são russos sem qualquer dúvida, andam a pé. Ou então usam equipamento ucraniano, das forças que foram enviadas para os expulsar! A muita publicitada tomada de 6 blindados ucranianos pelas forças para-militares no leste da Ucrânia é outra palhaçada. Não é mentira, pois Kiev confirmou, mas também não se sabe o que realmente aconteceu. Os soldados ucranianos desertaram? Foram emboscados e renderam-se (parece ser esta a versão oficial de Kiev)? Foram todos mortos pelas forças especiais (não-)Russas?
E porque é que a forças para-militares, que são oficialmente locais lá das terras, entram por um teatro na vez da sede do município, pois confundem os edifícios? Será porque vêm todos das aldeias e conhecem mal a cidade, ou essas "aldeias" de onde eles vêm são bases militares do outro lado da fronteira?

Enfim, é uma situação caricata, cheia de situações insólitas de parte a parte. Mas isto não vai ter solução simples. Apesar de continuar a crer que a Rússia vai perder bastante com isto tudo, tal como já se tem visto a nível económico, e as sanções directas do ocidente são apenas uma brincadeira de crianças, Putin tem ganho claramente no terreno. A táctica de desestabilização funciona às mil maravilhas e estão perto de obter o que querem, que uma acção de Kiev resulte na morte de alguns cidadãos russos, justificando uma invasão em força do leste (pelo menos) da Ucrânia. Kiev não consegue agir devido aos muitos problemas que afectam o país (divisões internas, falta de dinheiro, múltiplos interesses contraditórios, os fascistas que realmente estão no activo apesar de ainda estar longe de mandarem na Ucrânia). E a Europa e ocidente (sobretudo os EUA) apenas vão mandando recados. A China deve estar a assistir isto esfregando as mãos pois só tem a ganhar, tanto a nível económico como a nível geo-político.

Queria terminar só com uma questão que faço tantas vezes e para a qual também não encontro resposta. Muita gente diz que a Europa não pode fazer nada porque está dependente do gás russo. Não é só uma questão de gás, é toda uma panóplia de relações comerciais pois a Europa é o maior parceiro de negócios da Rússia, mas de longe. Só que existem 2 lados dessa moeda. Se a Europa não recebe os produtos (e dinheiro) se quebrar os negócios, também a Rússia não receberá dinheiro (nem produtos) vindos da Europa! E quem é que aguenta mais essa quebra brutal de trocas comerciais? Eu acho que a desvalorização do rublo e fuga de capitais da Rússia que se tem assistido respondem a essa questão...

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