quarta-feira, março 22, 2017

A entrevista ao Diário de Notícias


Há uma semana atrás, no dia das eleições Holandesas, o Diário de Notícias, vulgo DN, teve um caderno especial dedicado às mesmas. Um dos artigos abordava a opinião de 5 pessoas a residir na Holanda, 3 portugueses e 2 holandeses, sem ser bem uma entrevista pois não foi escrito no formato de perguntas e respostas. Mas o principal ponto é que eu fui um dos portugueses a opinar. Portanto a imagem que aqui vedes não é um photoshop mas sim aquilo que saiu no jornal (página 4 do tal caderno especial). Apenas editei para desfocar a envolvente e ter só euzinho focado.

Eu não posso dizer como é as outras 4 pessoas falaram com a jornalista Susana Salvador. Delas só conheço pessoalmente o Tiago e até hoje nunca lhe perguntei. Comigo o contacto foi por e-mail (um amigo em comum deu-lho o meu) e foi uma entrevista onde ela mandou a lista de perguntas e eu respondi também por e-mail, no dia 7 de Março (1 semana antes e antes também da confusão diplomática com a Turquia ter estalado). Depois da primeira troca ela fez uma pergunta de seguimento, no dia seguinte, e foi tudo. Eu mandei-lhe também uma foto, mas como não sabia que tipo de foto eles precisavam disse para irem buscar ao Facebook e eles escolheram a primeira foto de perfil onde apareciam os ombros, que calhou ser uma foto que me tiraram num track-day em 2008!

Uma vez que o artigo só contém partes das respostas dadas, deixo aqui a entrevista completa, ou seja, as perguntas que ela me fez e as respostas que dei. As perguntas, e outras frases, da jornalista estão em itálico para ser fácil a distinção:

- Deram-me o seu contacto, dizendo que estaria disponível para falar sobre as eleições holandesas. Estou a preparar um artigo sobre a campanha e a eventualidade de uma vitória de Geert Wilders.
Infelizmente, não terei oportunidade de ir até à Holanda. Envio as perguntas por email, assim pode responder com calma.
Antes de responder às suas perguntas específicas quero só deixar uma nota mais geral:
Eu estou convencido que o PVV, o partido do Wilders, vai ganhar as eleições. Ou seja será o partido com mais votos e com mais deputados na 2a Câmara mas isso não quer dizer que Wilders vá ser o novo primeiro-ministro ou que o PVV chegue a fazer parte do Governo.
É que ao contrário do que estamos habituados em Portugal e outros países maiores, aqui na Holanda são muitos os partidos que elegem deputados, portanto o PVV mesmo sendo o mais votado terá por volta dos 20% e como todos os outros partidos afirmaram que não formarão governo com o Wilders é muito provável, que à semelhança do que aconteceu em Portugal, o governo venha do 2° partido mais votado mas que tem apoio (por coligação ou não) de vários outros partidos ficando desse modo com a maioria parlamentar.

- O que é que podia implicar uma vitória de Wilders para a sociedade holandesa?
No meu entendimento o efeito imediato seria algo do que aconteceu no UK depois da vitória do Brexit. Os holandeses mais nacionalistas e xenófobos irão sentir mais revigorados e iremos assistir a mais discursos contra estrangeiros, sobretudo marroquinos, e muçulmanos. E mesmo que o Wilders não forme governo como disse anteriormente, presumo que o Governo tome algumas medidas mais populistas ou nacionalistas para apaziguar essa faixa da sociedade. Não vejo grandes mudanças radicais nem de muito importantes mas acredito que em certa parte a sociedade se torne, durante algum tempo pelo menos, um pouco menos tolerante.

- O discurso populista de extrema-direita é comum ou representa apenas uma parte específica do país?
Tal como assistimos no referendo do Brexit e nas eleições nos EUA, Wilders parece ter mais apoio nos meios mais pequenos e na população mais idosa. Eu moro em Amesterdão, a cidade com mais diversidade de todo o mundo, por isso aqui não parece existir eco do discurso populista. Mas daquilo que vou observando e lendo, estando aqui há mais de 6 anos, é que é mais comum este tipo de discurso do que se pode pensar para quem está de fora e vê a Holanda como um país muito liberal e tolerante. Posso dar um exemplo de um colega meu de trabalho holandês: em tempos ele queixava-se de já não se poder usar o termo "neger zweet" (suor de preto) como sinónimo de café porque os pretos acham que é racista (e é um termo extremamente racista, mas muitos holandeses acham que não e ficam ofendidos por outros ficarem ofendidos)!

- Teme essa eventual vitória de Wilders? Põe a hipótese de deixar a Holanda caso isso aconteça?
Como disse na minha nota prévia, eu estou convencido que o Wilders vai ganhar por isso não temo. Mas mesmo que o Wilders seja primeiro-ministro não ponho a hipótese de deixar a Holanda no curto prazo a não ser que ele comece a implementar mudanças profundas (como querer sair da UE).

- Já sentiu alguma discriminação por ser português? Sabe de casos entre portugueses ou outros estrangeiros?
Nunca senti nenhuma discriminação por ser português ou mesmo estrangeiro. É preciso ver que sou europeu, branco e tenho um emprego dito especializado. E na rua até passo por Holandês ou doutro país (tenho pele clara e sou relativamente alto). Acho que aqui eles têm mais problemas com muçulmanos, sobretudo os marroquinos (o alvo predilecto do Wilders) e com alguns países da Europa Central ou de Leste, mais especificamente os búlgaros (considerados manhosos e muito provavelmente criminosos). Isto advém da minha experiência pessoal mais especificamente com os moradores do prédio onde moro (mais de 140 habitações) e onde moram alguns búlgaros.
Não tenho qualquer conhecimento de discriminação entre portugueses apesar de nas redes sociais ler sobre supostos casos.

- Discute as eleições com os seus colegas/amigos holandeses? Qual é a visão deles?
Sim, discuto bastante política e estas eleições também, se bem que na verdade até discutimos mais a nível internacional do que propriamente local porque eu não tenho muitos colegas holandeses e alguns dos que têm nacionalidade holandesa até são de origens estrangeiras (marroquinos, chineses e indonésios). Como trabalho num grupo internacional onde os holandeses são a minoria não conheço ninguém que partilha da visão do Wilders. Até mesmo o colega que referi acima do "neger zweet" diz que o Wilders só sabe apontar problemas mas não é capaz de sugerir soluções. No entanto eu até estou convencido que ele vai votar no Wilders e só não o admite porque sabe que todos os colegas o criticariam. Eu acho que ninguém acredita que o Wilders forme governo (partilham a mesma opinião que eu) mas não gostam do facto dele poder ganhar as eleições.

- Daquilo que tenho lido, a sua previsão parece-me extremamente acertada: uma vitória de Wilders, mas sem conseguir formar governo.  
E realmente olhamos para a Holanda como um país liberal e tolerante, mas pelo que diz talvez não seja tanto assim (ou essa vitória de Wilders arrisque tornar mais visível que não é assim).
Uma pergunta de seguimento: essa ideia de a Holanda sair da UE, que Wilders defende, acha que tem pernas para andar, mesmo que ele não chegue ao governo?
Curiosamente hoje [dia 8 de Março, um dia depois das anteriores respostas] saiu aqui nas notícias (veja por exemplo esta) a mais recente "poll of polls" (uma coisa importada dos EUA pelos vistos) e pela primeira vez o VVD (partido do actual primeiro-ministro) já é dado como vencendo as eleições e o PVV de Wilders ficará só em 2°. Devido a isto a minha resposta muda ligeiramente pois agora tenho dúvidas que ganhe mas ainda mais certeza, 99%, que não formará governo.
Pessoalmente não acredito que que a ideia do NLexit (termo usado por algumas pessoas aqui) tenha muitas pernas para andar. Mas tal como se vê em toda a Europa, até mesmo em Portugal, muitas pessoas mesmo gostando das vantagens do mercado único e a livre circulação continuam a achar que a UE prejudica mais do que beneficia.
Para mim tudo está dependente do que acontecerá com o Brexit (que eu ainda acredito a 60% que não vai chegar a acontecer mesmo) mas como a curto-médio prazo ninguém consegue calcular correctamente as consequências do Brexit, ainda muita gente vai continuar a defender isso. Estamos também um pouco dependentes do que acontece em França, um dos "corações" da UE e onde existe a ameaça Le Pen (mas que igualmente não acredito ganhar, mesmo que vença a primeira volta).
Em resumo: acho que vão haver mais vozes a falar em reavaliar a UE ou mesmo pensar em sair, mas não vai dar em nada.

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