sexta-feira, junho 24, 2016

Quo vadis, Reino Unido?


Não posso me queixar do resultado do referendo de ontem. Há 8 semanas atrás eu disse que era a favor e o Brexit agora é uma realidade.
A pergunta agora que se impõe é o que vai mesmo acontecer?

Para já admito que estava enganado e andei vários dias a dizer aos meus colegas uma mentira: a saída de um estado membro da UE estava mesmo previsto no Artigo 50 da Cimeira de Lisboa. Esse artigo estipula o procedimento talvez apenas por alto mas eu andava a dizer que nunca ninguém tinha concebido este cenário. É precisamente o artigo que diz que o Governo de um dos estados membros tem de informar a UE (Comissão Europeia presumo) que pretende sair e a partir daí começa o prazo de 2 anos para a saída. No entanto esse prazo pode ser alargado e a saída pode ser cancelada com a aprovação de todos os restantes estados membros.
Por isso durante alguns anos o Reino Unido continua a ser membro da UE e o relógio só começa a contar quando o Governo britânico invocar o Artigo 50 e informar a UE.
E uma coisa vos digo, ainda vai demorar a acontecer isso.

Porque o Cameron demitiu-se e apesar de ter dito que o Governo vai respeitar a decisão do povo não disse quando iriam iniciar o processo de saída. Se calhar não será ele a fazê-lo; se calhar vão esperar pelo novo Executivo; se calhar vão haver eleições antecipadas; se calhar no meio disto tudo o passo inicial que é preciso fazer vai sendo empurrado.
Mas mesmo que antes de Setembro o Governo britânico informe a UE e despolete o processo oficial, sabemos que vai ser outro Governo a negociar portanto o relógio pode começar a contar mas o processo vai ficar em águas de bacalhau.

A acrescentar a isto muita gente diz que 2 anos não chegam. O acordo tem de ser aprovado por 20 países que representem pelo menos 65% da população da UE. E depois o Parlamento Europeu tem de rectificar o acordo.
Muitas pessoas falam que o Reino Unido pode fazer o mesmo que Noruega ou Suiça, que fazem parte da EFTA e também têm acordos com a UE para participar no mercado único (esta é a chave de tudo, o mercado único). Só que esses países estavam de fora e apenas fizeram acordos para parte, o Reino Unido estava dentro e tem de agora acordar sobre tudo o que era já regulado com a UE.
Isto pode demorar 5 ou mais anos. Até lá já morreram metade dos velhotes que votaram pela saída e 1/3 mudaram de opinião (não faltam os relatos de arrependidos logo após o resultado ser anunciado) e o Reino Unido pode tentar cancelar a saída.

Mas imaginemos que a coisa avança rápido como a Comissão Europeia pediu e um acordo consegue ser atingido em pouco tempo, usando os casos da Noruega e Suiça como exemplos.
Não é certamente o que a campanha do Leave andou a dizer, eles disseram que iam manter os acordos com a UE mas com termos melhores. A Noruega acede ao mercado único mas está fora da agricultura e pescas, justiça, segurança entre outras coisas. Mas esquecem-se as pessoas que a Noruega tem de contribuir para o orçamento da UE e seguir regras para as quais não tem voto algum na matéria.
Os britânicos queixam-se que não mandam mas a seguir esses exemplos vão ficar pior, pois terão de seguir regras e políticas e contribuir na mesma para a UE mas agora sem poderem votar ou propor eles mesmos novas regras e políticas.
Mas ficarão felizes porque toda a gente sabe que o principal argumento do voto é a imigração. Esse bicho papão que assusta muitos dos locais em muitos países da Europa.
Mas eu um dia ainda farei uma alegoria do que seria um país, e o Reino Unido será o exemplo, sem imigrantes.

Para já sabemos o que aconteceu a nível económico. Ou a nível financeiro. Os mercados e a libra tremeram com o resultado com quedas grandes mas até recuperaram um pouco ao final do dia.
A minha opinião é que me estou a cagar para o sector financeiro e os mercados. São, infelizmente, uma peça muito importante do puzzle mas aquilo é tudo "falso" é basicamente como jogar no casino e obviamente sabia-se que ganhando o Leave iria tudo tremer.
Nem me admira nada que daqui a uns dias esteja tudo normal e os investidores do costume já tenham recuperado todas as perdas do dia de hoje.
Mas a economia real, aquela que se baseia em produção, trocas de bens e serviços, clientes, dinheiro vivo, essa ainda é uma incógnita porque acho que é do consenso geral que o mercado único é vantajoso e benéfico. O que irá acontecer quando barreiras antigas, que poucos já se lembram se reerguerem e atrapalharem ou impedirem as trocas comerciais?

E acabo com o meu vaticínio do vai acontecer: quase nada! O Reino Unido até pode mesmo sair da UE daqui a uns 5 anos, mas vai ficar quase tudo igual ao que era até agora. Um bocado mais de burocracia, a balança comercial vai mudar um pouco, mas no final fica quase tudo igual. O maior impacto será mesmo os movimentos sucessórios dentro do próprio Reino Unido (Escócia e Irlanda do Norte) e o reforçar do discurso dos euro-cépticos dos outros países da UE. Mas daqui a uns 5 anos vamos estar praticamente na mesma como agora.
Ou isso ou estaremos a aprender a falar russo...

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